O direito laboral desportivo é uma área que está em constante evolução suscitando diversas questões mais ou menos problemáticas que merecem discussão.
Um dos casos mais recentes está relacionado com uma decisão da justiça italiana sobre um litígio que opunha um clube italiano, entidade patronal, e um jogador, trabalhador. Em causa estava o não pagamento dos salários que se encontravam “congelados” relativos ao período da interrupção dos campeonatos, em 2020, provocada pela pandemia da Covid-19. Este congelamento resultou da necessidade de assegurar a liquidez financeira do clube durante este período com a promessa de que estes valores seriam restituídos mais tarde.
O jogador acabou por se transferir para um outro clube no ano de 2021 sem nunca ter recebido o valor dos salários que não tinham sido pagos. O clube italiano alegou que se tratava de um acordo firmado entre as partes e juntando ao facto do jogador já não ser um trabalhador do clube eram motivos para não haver lugar ao pagamento dos salários devidos.
Será esta situação admissível em termos laborais?
Estando no âmbito de um contrato de trabalho desportivo seguiremos as regras do regime especial sobre esta matéria, a Lei nº54/2017 de 14 de julho. Poderá a entidade patronal desportiva decidir aumentar ou diminuir o salário do seu atleta de forma livre ou encontra-se restrita a casos específicos?
Nos termos do artigo 15.º n. º2 da Lei nº54/2017 de 14 de julho é válida a cláusula constante de contrato de trabalho desportivo que determine o aumento ou a diminuição da retribuição em caso de subida ou descida de escalão competitivo em que esteja integrada a entidade empregadora desportiva.
Ora, a letra da lei parece ser muito clara quanto a este ponto: só será admissível uma redução salarial nos casos em que existe uma descida de escalão competitivo no qual a entidade empregadora desportiva compete e deverá ser uma cláusula constante do contrato de trabalho desportivo. Significa, portanto, que o “congelamento” do pagamento da retribuição salarial durante a pandemia não constituía uma renúncia salarial, mas sim um adiamento do pagamento devido.
Apesar do jogador ter mudado de clube, o acordo celebrado entre as partes aquando da interrupção das competições durante a pandemia foi somente um adiamento do pagamento salarial daqueles meses.
O que o clube tentou alegar foi que este acordo se tratava de uma renúncia salarial, devendo ser encarado como uma remissão abdicativa.
Em Portugal esta situação não é admissível nos termos do artigo 337.º do Código de Trabalho que estabelece a proibição da extinção dos créditos laborais emergentes do contrato de trabalho por via de uma renúncia expressa por parte do trabalhador, salvaguardando desta forma os interesses do trabalhador.
O tribunal italiano, sem grandes dúvidas, decidiu a favor do jogador / trabalhador obrigando a entidade patronal / club a restituir os valores em causa. Salvo melhor opinião, cremos ser este o entendimento mais correto.
Continuaremos atentos às questões do laboral desportivo que ocorrem fora de campo, mas que merecem ser trazidas a jogo.
Gonçalo Rodeia Gomes @ DCM | Littler