Para responder a esta questão, trazemos a análise do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15.12.2022, Processo n.º 7643/20.4TLSB.L1-4.
Neste acórdão, sumariamente, o Tribunal afirma que:
“Há transmissão de unidade económica para efeitos do artigo 285.º do Código do Trabalho quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços de vigilância a outra empresa, se a manutenção da actividade de segurança e vigilância pelo novo empresário é acompanhada da retoma do equipamento relevante do cliente para a prossecução de tal atividade, como já antes acontecia, e, ainda mais, do emprego de mão-de-obra quantitativamente semelhante à da anterior prestadora e aliás composta em parte significativa por trabalhadores que já aí exerciam funções (o que consubstanciava um conjunto de meios organizados para a prossecução daquela atividade).”
Apesar de o sumário do Acórdão transmitir uma especialidade elevada do caso em apreço, o que importa aqui tomar em conta é a fundamentação que o Tribunal apresentou quanto aos indícios de transmissão de unidade económica, prevista no art. 285.º do Código do Trabalho.
Dos factos provados neste processo, resumidamente, destaca-se: (i) o facto de as atividades da transmitente e adquirente serem no essencial coincidentes; (ii) a atividade destas ser prestada no mesmo local (que coincide com o local de trabalho dos trabalhadores, autores na ação); (iii) terem ambas, aproximadamente, o mesmo número de trabalhadores; (iv) a adquirente, nomeadamente, ter celebrado contratos de trabalho com parte dos trabalhadores que eram da transmitente.
Nesse sentido, o Tribunal considerou que, estando comprovados estes factos, não se poderia considerar que não existia transmissão da unidade económica, ainda que, veja-se, a adquirente não tenha mantido todos os trabalhadores. A ideia é a de que “dependendo a verificação desse requisito da exclusiva vontade da adquirente do serviço, a mesma poderia manipular esse indício” .
No fundo, o indício relevante e, sobretudo, objetivo, em empresas cuja atividade assenta essencialmente na mão-de-obra (como é o caso de empresas de prestação de serviços), consiste na manutenção do pessoal ou do essencial deste, visto que “é esse complexo humano organizado que confere individualmente à empresa”.
De louvar, neste acórdão relembrou-se princípios gerais de direito, impedindo-se assim que a qualificação de transmissão de unidade económica e os seus efeitos (ou não) possa ser determinado pela transmitente e, consequentemente, refletir-se numa vantagem para a mesma, que age com o intuito de diminuir os indícios invocáveis e, portanto, de forma fraudulenta.
A resposta à pergunta inicial corresponde à irrelevância (absoluta) da vontade do adquirente para que se qualifique uma situação como transmissão da unidade económica.
No entanto, este não foi o entendimento do tribunal de primeira instância, que afastou a qualificação jurídica de transmissão de unidade económica, razão pela qual houve recurso de tal decisão, o que revela que, parecendo a questão óbvia, não o é assim tanto na prática.
Inês Godinho @ DCM | Littler