A reflexão que hoje trazemos: saber se a cada direito corresponde uma forma de o acautelar. Considerando que existe a garantia constitucional de tutela jurisdicional efetiva, com densificação no art. 20.º, n.º 5 da CRP, não podemos esquecer que para a defesa de cada direito corresponde uma ação judicial adequada para o reconhecer, prevenir, reparar ou acautelar, como se verifica nas previsões dos arts. 1.º e 2.º n.º 2 do CPC (Código de Processo Civil).
Na prática, por exemplo, este direito faz com que um credor tenha acesso a uma ação judicial para cobrar a sua dívida ou que um trabalhador tenha acesso a uma ação judicial para pagamento dos créditos laborais que não lhe foram pagos.
Uma destas vertentes de acautelamento traduz-se na existência das conhecidas providências cautelares, ou seja, um tipo de ação que tem como objetivo acautelar, de forma célere, direitos, os quais, mais tarde, já seria difícil de tutelar. Salientamos o seguinte caso: um trabalhador intentou um procedimento cautelar comum contra a empresa onde trabalhava, pedindo que fosse ordenada a suspensão da eficácia dos efeitos operados pela carta de caducidade do contrato de trabalho a termo certo. Ou seja, pretendia que o tribunal suspendesse o meio que deu origem ao seu despedimento. No entanto, o Tribunal de primeira instância rejeitou o pedido do trabalhador, alegando que a providência cautelar não era o meio adequado. De seguida e discordando, o trabalhador recorreu (Ac. do TRL de 28.10.2020 (Alves Duarte), proc. n.º 12999/20.6T8LSB.L1-4). A referida providência não pretendia a declaração de nulidade do termo aposto no contrato de trabalho, mas antes o decretamento de uma medida de suspensão da carta de denúncia, que acautelaria, ainda que provisoriamente, a situação jurídica do trabalhador. A providência cautelar foi o meio utilizado, uma vez que todos os prejuízos causados ao trabalhador pela denúncia do contrato de trabalho, ou pelo menos um, seriam de difícil reparação. Com o fim do vínculo laboral entre o trabalhador e o empregador, seria inútil a ação judicial para tutela de direitos que só existiriam na plena vigência do contrato de trabalho.
Em sede de recurso, o Tribunal da Relação entendeu que o tribunal de primeira instância deveria conhecer do mérito, decretando ou não a providência, caso não se verificasse outro obstáculo para lá do invocado. O Tribunal fundamentou a decisão em duas ideias chave (i) É verdade que a declaração da ilicitude do termo aposto num contrato de trabalho leva a que o mesmo seja desconsiderado, mas também, e em consequência disso, que o contrato se considere celebrado por tempo indeterminado (art. 147.º, n.º 1 do Código do Trabalho); pelo que procurando o empregador fazer valer o prazo ilicitamente contratado, mas disso discordando o trabalhador, tal “configurará um despedimento ilícito (…) com as consequências deste”. (ii) sempre terá que ser concedida ao trabalhador a possibilidade de suscitar a apreciação judicial da sua discordante pretensão uma vez que o Estado lhe não concede o direito de recorrer à força e vale a regra que a todo o direito corresponde uma ação (arts. 1.º e 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Conclui o acórdão que se ao trabalhador assiste o direito de ação, assiste também o direito de o acautelar, através do uso das providências cautelares, assim que se verifique um fundado receio de que o empregador lhe cause lesão grave e dificilmente reparável. Pelo que, só poderá requerer providência conservatória ou antecipatória comum, pois a lei não prevê nenhuma em especial (arts. 32.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e 363.º, n. os 1 e 3 do Código de Processo Civil).
Está aberta a porta para o surgimento de mais e novas providências cautelares? Esperamos para ver os próximos capítulos.
Ana Amaro | Catarina Venceslau de Oliveira | DCM Lawyers