O “Diario del Derecho”, utilíssima publicação electrónica espanhola (www.iustel.com/diario_del_derecho), na sua edição de 4 de dezembro último, informa que o Tribunal Supremo daquele país acaba de emitir uma curiosa decisão, ainda não publicada, acerca da amplitude do conceito de assédio sexual.
Sabendo como a lei portuguesa se mostra particularmente insuficiente a esse respeito, embora assente em valorações que são, afinal, universais, têm seguramente interesse os desenvolvimentos conceptuais que ocorrem no âmbito de outros ordenamentos.
O acórdão lança a ideia de assédio sexual “implícito”, não podendo limitar-se a noção de assédio aos contactos físicos ou às propostas verbais do agente. Esta ideia coloca, desde logo, em evidência a inadequação da definição contida no nº 3 do art. 29º do Código do Trabalho (aliás idêntica à do art. 7º/1 da Lei Orgânica 3/2007, vigente em Espanha) quando se refere a um “comportamento…de carácter sexual” como o cerne do assédio sexual.
Na realidade, o objetivo do assediante é de carácter sexual, mas os meios utilizados podem não ser, e não são normalmente, “explícitos”, no sentido de que consistam em palavras alusivas à atividade sexual ou em gestos que diretamente procurem estabelecê-la. A doutrina do tribunal Supremo espanhol vem simplesmente consolidar, em termos jurídicos, uma compreensão evidente do fenómeno.
O caso tratado no acórdão diz respeito às relações entre um médico e uma médica de um hospital universitário. O primeiro nunca teve aproximações físicas nem propôs expressamente relações sexuais, mas dedicou à sua colega (aliás, sua subordinada), ao longo de dois anos, um conjunto de gestos e amabilidades — chamando-a ao gabinete por motivos não profissionais, dando-lhe um tratamento diferenciado em relação a outras pessoas do mesmo serviço – que a levou a queixar-se, por via hierárquica, dessas “constantes mostras de atenção não solicitadas”.
O médico foi suspenso por seis meses, e recorreu da decisão.
Tanto o Tribunal Superior de Madrid como o Tribunal Supremo consideraram que “a conduta do recorrente foi pautada pela libido, perdurou por dois anos e não recebeu qualquer tipo de acolhimento por parte da atingida, que também era sua subordinada”, qualificando essa conduta como “infração gravíssima de assédio sexual” e considerando a sanção ajustada.
Será interessante verificar, perante o texto do acórdão, com que base probatória foi possível concluir que a conduta em causa foi “pautada pela libido”…
Por nossa parte, perguntamo-nos se não existem suficientes e até gritantes razões para que a definição normativa de assédio sexual (infelizmente enraizada no direito europeu) seja corajosamente revista em atenção à realidade.
António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler