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A efetividade do dever de não concorrência do trabalhador

By 27 Novembro, 2015Janeiro 25th, 2018No Comments
Por força do contrato de trabalho, o trabalhador deve “guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios” (art. 128.º, n.º1, al. f), do Código do Trabalho). Não obstante, o contrato de trabalho prevê frequentemente uma cláusula de não concorrência reforçada, nomeadamente para concretizar o âmbito da concorrência e estabelecer uma cláusula penal que antecipe os prejuízos possíveis, mas que constitua, acima de tudo, um forte mecanismo dissuasor de comportamentos ilícitos do trabalhador.
Nesse sentido, cumpre colocar duas questões: 1) a violação do dever de lealdade depende da demonstração de desvio (efetivo ou tentado) de clientela durante a execução do contrato de trabalho?; 2) a cláusula penal deve observar algum limite pré-definido?
Neste caso, a trabalhadora foi contratada em 1.5.2012, através de contrato de trabalho por tempo indeterminado, sem período experimental, para exercer as funções de Diretora de Agência numa empresa de trabalho temporário, com responsabilidades nos domínios da gestão, do marketing, da angariação de clientes e de apresentação e negociação de propostas de serviços com clientes (atuais ou potenciais). Este contrato cessou em 20.9.2012 por iniciativa da trabalhadora, tendo a empregadora prescindido do prazo de aviso prévio.
Por outro lado, em 29.8.2012, foi constituída uma nova empresa de trabalho temporário, a qual iniciou a sua atividade, para efeitos fiscais, em 1.10.2012 e obteve a licença para o exercício da atividade em 4.12.2012. Mais, a trabalhadora foi nomeada administradora aquando da constituição e exerceu funções como administradora da nova sociedade, pelo menos, a partir de 12.10.2012, tendo sido inscrita na Segurança Social como membro de órgão estatutário e passado a ser remunerada pelo exercício destas funções em 15.10.2012.
Ora, segundo o TRE, basta a demonstração de um desvio potencial de clientela com fundamento no comportamento da trabalhadora. Assim, o “simples facto de (a trabalhadora] ter sido nomeada [durante a vigência do contrato de trabalho] vogal do conselho de administração e administradora delegada de uma sociedade concorrente [do empregador] importa (…) a violação do dever lealdade, na vertente de obrigação de não concorrência”. Por outras palavras, o comportamento da trabalhadora – meramente preparatório do início de laboração da nova empresa – é suscetível de criar a “expectativa de uma atividade concorrencial ou de um potencial desvio de clientela”, independentemente da existência efetiva de prejuízos para o empregador ou de desvio (atual ou tentado) de clientela.
No que toca à segunda questão, o TRE considerou adequada uma cláusula penal correspondente a 12 vezes o valor da última retribuição, acrescido do correspondente a duas vezes essa remuneração por cada ano ou fração de serviço, tendo em conta que se tratava de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, sem período experimental, para o exercício de um cargo de confiança. Para o tribunal, a redução da cláusula penal “colidiria com a necessária preservação do seu valor cominatório e dissuasor”.
O TRE andou bem na resposta a ambas as questões. Todavia, devemos ter presente que o ser humano é dotado de uma criatividade prodigiosa que desafia diariamente o ordenamento jurídico. Compete ao intérprete encontrar o caminho que reforce o cumprimento dos deveres de lealdade e de não concorrência.

Nota: publicado no Jornal OJE de 16.7.2015.