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A lealdade e informação na relação laboral desportiva: Podem ser critérios?

By 30 Agosto, 2023No Comments

Colocando os olhos no mundo do futebol onde, embora exista uma crescente profissionalização do setor caracterizado pela elevada mobilidade laboral dos desportistas, verificamos que existem ainda muitas dúvidas por resolver, como, por exemplo, quando um determinado Clube de futebol decide retirar dos treinos da equipa principal um jogador (tendencialmente “key-player” da temporada) pelo facto de o mesmo não aceitar: (i) renovar o seu contrato de trabalho; ou, em alternativa (ii) ser vendido na época em curso, de forma a evitar a sua saída a “custo zero” e, com isso, prejudicar o interesse económico do clube.

Contudo, em vez de nos centrarmos na análise da decisão de colocar o jogador a treinar com uma outra equipa secundária (“B”) e a questão de saber se se vulnera ou não o direito à ocupação efetiva, focar-nos-emos no âmbito dos deveres acessórios ou secundários, designadamente ao nível da lealdade e dos deveres de informação, bem como da possível infração das partes.

A prática tem ditado uma estratégia (cada vez mais recorrente) dos clubes-empregadores: (i) darem esta opção de escolha, entre os jogadores renovarem o contrato de trabalho, contando com o desejado (elevado) rendimento profissional, atingindo metas e objetivos (desportivos e financeiros); ou, (ii) não o fazendo, que seja possível conciliar interesses das partes – ao compensarem o clube-empregador com “transferência” (assumindo que o clube de destino possa ser do agrado do desportista), garantindo, desta feita, um “income” financeiro enquanto salvaguarda. Trata-se, aliás, de um encaminhamento lógico dos agentes de mercado e que procura reunir a proteção do interesse e legítimas expetativas das partes.

Existem, porém, situações de parte-a-parte que dificultam este raciocínio. Por um lado, é difícil detetar e combater as situações de reserva mental do jogador (art. 244.º do Código Civil), ou dos cenários em que este é economicamente estimulado por terceiros (e, por isso colaboram com estes) a não renovar o contrato de trabalho e a colocar um “impasse” nas negociações (internas ou externas) com o clube-empregador.

Por outro lado, são também questionáveis as condutas unilateralmente determinadas (v.g., a “despromoção para equipa B” ou o “treino à parte da equipa principal”) como resultado ou como reação a uma opção (livremente) tomada pelo profissional. Sobre este último e para mais desenvolvimentos, recomendamos a leitura da obra Victor Hugo Ventura, O regime do contrato de trabalho do praticante desportivo, Almedina, 2023.

Dependendo do caso concretamente apreciado, os deveres de lealdade (que inclui, naturalmente o dever de lealdade em sentido-ético jurídico) e de informação entre as partes podem fornecer importantes contributos e uma apreciação mais cuidadosa. Apesar de a Lei n.º 54/2017, de 14 de julho nada referir expressamente, convém relembrar o art. 3.º, n.º 1 deste Diploma e o art. 9.º do Código do Trabalho, que permitem “chamar” às questões presenteadas a Secção VII, sobre direitos, deveres e garantias das partes (arts. 126.º e ss.), na medida em que sejam compatíveis com esta relação de trabalho especial.

Cumpre balancear os interesses do clube-empregador e os interesses do desportista, particularmente neste “mundo do desporto”, caraterizado pela contratação a termo e a elevada mobilidade laboral. A lealdade prescreve a proteção mútua de interesses objetivos da contraparte enquanto a informação requer a prestação ativa de dados verdadeiros, completos e atuais, que melhor permitem coordenar uma atuação futura.

Estaremos atentos a futuros desenvolvimentos.

Tiago Sequeira Mousinho, Marta Coelho Valente @ DCM | Littler