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A proteção de dados pessoais do (e pelo) trabalhador nómada digital: Existe?

By 24 Abril, 2023No Comments

A apelidada “lei dos estrangeiros” (Lei n.º 23/2007 de 4 de Julho) passou a enquadrar a figura do “nómada digital”, no âmbito dos vistos, sendo abrangidos por este regime tanto os profissionais vinculados por contrato de trabalho, como por prestação de serviços (onde se podem integrar os empreendedores).

Os nómadas digitais são, na verdade, pessoas que prestam a sua atividade à distância (da empregadora), em qualquer local do mundo – sugerindo, até, mais do que um modo de trabalhar, um certo modo ou estilo de vida (“smart working” ou “smart living”?).

O fenómeno da internet e da conectividade facilita e encoraja a estes cenários, enfraquecendo a ideia de uma local de trabalho fixo ou certo; sendo de se destacar um aumento inverso da liberdade e autonomia para se viver e, por isso, trabalhar em qualquer lugar do mundo. É por essa razão que os regimes de teletrabalho e trabalho remoto surgem a par destas realidades (arts. 165.º e ss. CT).

Com efeito, uma vez que para o nómada digital o “céu é o limite”, caberá às partes, em sede de acordo, delimitar o “local de trabalho” e garantir condições de proteção laboral equiparáveis à dos trabalhadores que trabalham em regime presencial nalguma das estruturas da empregadora (v.g., saúde e segurança no trabalho). Além destas condições laborais, deve ser garantida a proteção de dados pessoais do nómada digital, mas também de terceiros, que o nómada digital possa “carrear” consigo na prestação da sua atividade “worldwide”, i.e., pelo mundo fora.

Resulta, por isso, ser necessário compatibilizar dois deveres de proteção de dados pessoais interligados: (i) o primeiro, associado à proteção de dados pessoais do trabalhador nómada digital, pela empregadora; (ii) um segundo, associado à proteção de dados pessoais do empregador (se aplicável, designadamente por se tratar de uma pessoa singular) ou de terceiros (v.g., colegas de trabalho, clientes, fornecedores, distribuidores, parceiros negociais) por banda do nómada digital.

Ora, como pode antever, são inúmeras as dificuldades (jurídicas e administrativas) que resultam desta forma de prestar trabalho e da ausência de um local de trabalho fixo ou certo. Desde logo, porque o teletrabalho ou trabalho remoto poderá ser efetuado internamente (em Portugal) ou externamente, além-fronteiras, num país vizinho que seja Estado-membro da União Europeia [UE] (v.g., Espanha ou França), ou num país mais longínquo, terceiro à UE (v.g., Estados Unidos da América ou Austrália). A determinação da lei aplicável influenciará, em grande medida, a exigência da proteção de dados pessoais e, sobretudo, os deveres das partes, maxime, os que digam respeito ao tratamento de dados pessoais fora da UE.

Posto isto, aceder, extrair, tratar ou armazenar dados pessoais, neste contexto, revela uma articulação bastante dificultada, pese embora possível (o RGPD e a LERGPD assim comandam, pelo menos).

Estaremos atentos aos próximos desenvolvimentos.

Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler