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A proteção especial contra o despedimento na Alemanha e em Portugal – Uma comparação legal (Parte I)

O presente artigo procura introduzir as diferenças (e semelhanças) existentes nos ordenamentos jurídicos alemão e português em matéria de proteção especial contra o despedimento.

Neste sentido, analisaremos (i) quais categorias de trabalhadores cobertas por uma proteção especial e alargada contra o despedimento, bem como (ii) quais mecanismos são estabelecidos nos sistemas jurídicos acima mencionados para concretizar esta maior proteção, em face dos demais trabalhadores.

Devido à extensão deste regime, a sua análise será dividida em duas partes:

i) Inicialmente, o artigo procurará abordar as características gerais de cada sistema jurídico, bem como os mecanismos para garantir a sua proteção, em termos práticos. Neste momento, versaremos sobre a proteção concedida aos representantes dos trabalhadores, as pessoas com deficiência e os trabalhadores abrangidos pela proteção da maternidade.

ii) Num segundo momento, identificaremos as categorias de trabalhadores que, não obstante também gozarem de proteção especial contra o despedimento, merecem uma maior atenção, devido ao facto a sua proteção poder ser, presumivelmente, de menor conhecimento público, em especial para os empregadores.

A proteção especial contra o despedimento no Ordenamento Jurídico Alemão

Além de suas fronteiras, a Alemanha é popularmente conhecida pela sua ampla proteção contra despedimentos. Embora seja de conhecimento comum que, após seis meses de serviço com a empresa (assumindo que um certo limiar de trabalhadores, na empresa, é excedido), cada despedimento requer uma razão para sua legitimidade, muitas vezes não é sabido que (embora a título temporário) certas categorias de trabalhadores não poderão ser alvo de despedimentos, ou que apenas é permitido em casos restritos, i. e., com a autorização de autoridades públicas.

No ordenamento jurídico alemão, há uma panóplia legal no que diz respeito à proteção especial contra o despedimento. Na prática, os seguintes regimes podem ser considerados como de maior relevância:

  • Os representantes dos trabalhadores gozam de proteção especial contra o despedimento em diferentes ocasiões. Isto inclui os membros do conselho de empresa, os membros do órgão de representação do aprendiz, bem como os seus homólogos no setor público e os seus substitutos, independentemente deste desempenhar efetivamente funções para o órgão representativo durante o período de substituição. Além disso, os membros do comitê eleitoral, os candidatos às eleições e (limitados em termos de tempo e número) os funcionários convidados para reuniões eleitorais, de acordo com a Sec. 15 da Lei de Proteção contra o Despedimento (KSchG), estão protegidos contra despedimentos. O mesmo se aplica aos representantes de pessoas com deficiência (Sec. 179, para. 3, frase 1 do SGB IX). Todavia, não é previsto qualquer proteção especial contra despedimentos para os membros do conselho de supervisão;
  • Os trabalhadores portadores de deficiência (bem como aqueles tratados como tais) têm também uma proteção especial contra o despedimento, em conformidade com a Sec. 168 do SGB IX;
  • As trabalhadores grávidas também desfrutam de proteção especial contra o despedimento (sendo certo que esta poderá notificar o empregador sobre a gravidez até duas semanas após o recebimento da comunicação de despedimento) ou trabalhadores em licença de maternidade até, pelo menos, quatro meses após o parto, em conformidade com a Sec. 17 da MuSchG;
  • A proteção especial contra o despedimento durante a licença parental ou de cuidador é concedida de acordo com a Sec. 18 da BEEG, bem como para a licença do cuidador (de família), a partir do momento em que a licença é solicitada, de acordo com a Sec. 5 da PflegeZG;
  • No contexto da reestruturação, deverá também ser considerada a proteção especial contra o despedimento prevista em convenções coletivas.  Com efeito, tal deve-se ao facto de muitas destas convenções preverem uma proteção especial contra o despedimento de trabalhadores a partir de uma determinada idade e/ou de uma determinada duração de serviço. Também será comum convenções ou acordos coletivos incluírem cláusulas de proteção que proíbam o despedimentos de trabalhadores, desde que por um determinado período e em local específico.

O regime aplicável no Ordenamento Jurídico Português

A Constituição da República Portuguesa prevê uma proteção especial de determinadas categorias de trabalhadores em face de formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções. De entre estas formas de repressão, encontramos o despedimento.

Com efeito, embora proíba despedimentos sem justa causa para a generalidade dos trabalhadores, a Constituição portuguesa estabelece um amparo acrescido para as seguintes categorias de trabalhadores:

a) Representantes sindicais eleitos pelos trabalhadores (art. 55.º, n.º 6);

b) Membros das comissões de trabalhadores (art. 54.º, n.º 4);

c) Trabalhadores abrangidos no domínio da maternidade e paternidade (art. 59.º, n.º 2, al. c) e 68.º, n.º 3)

Todavia, a Constituição apresenta um caráter programático, deixando para o legislador ordinário a tarefa de concretizar quais os mecanismos que cumprem o desígnio de maior proteção.

Por conseguinte, para esta tarefa, o legislador ordinário apresentou diferentes meios para salvaguardar as referidas categorias de trabalhadores contra o despedimento. Ainda, diferentes categorias de trabalhadores foram alvo desta proteção.

Assim, a proteção especial contra o despedimento efetiva-se do seguinte modo no ordenamento jurídico português:

  • Membros de estrutura de representação coletiva dos trabalhadores (representantes sindicais, membros das comissões de trabalhadores, representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho, para além de outras estruturas de representação previstas em lei específica, como os conselhos de empresa europeus), de acordo com o art. 410.º do Código do Trabalho:

a) A suspensão preventiva de trabalhador, no âmbito de procedimento disciplinar em vista ao despedimento, não obsta a que este o mesmo tenha acesso a locais e exerça atividades que se compreendem no exercício das correspondentes funções.

b) O despedimento de trabalhador candidato a membro de qualquer dos corpos sociais de associação sindical ou que exerça ou haja exercido funções nos mesmos corpos sociais há menos de três anos presume-se feito sem justa causa.

c) A providência cautelar de suspensão de despedimento só não é decretada se o tribunal concluir pela existência de probabilidade séria de verificação da justa causa invocada.

d) A ação de apreciação da licitude de despedimento tem natureza urgente.

e) Em caso de ilicitude de despedimento, este tem direito a optar entre a reintegração e uma indemnização não inferior à retribuição base e diuturnidades correspondentes a seis meses.

  • Trabalhadores portadores de deficiência (com capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica), de acordo com o art. 374.º, n.º 3 do Código do Trabalho, tem uma proteção acrescida contra o despedimento por inadaptação;
  • Trabalhadores no âmbito da parentalidade (aqui incluindo a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante e o trabalhador no gozo de licença parental), de acordo com o art. 63.º do Código do Trabalho, bem como o trabalhador cuidador, nos termos do art. 101.º-F do Código do Trabalho:

a) O despedimento por facto imputável a trabalhador que se encontre em qualquer das situações referidas no número anterior presume-se feito sem justa causa

b) O seu despedimento carece de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres (CITE);

c) Caso o parecer da CITE seja desfavorável, o empregador só o pode efetuar após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo, devendo a ação ser intentada nos 30 dias subsequentes à notificação do parecer;

d) A suspensão judicial do despedimento só não é decretada se o parecer for favorável ao despedimento e o tribunal considerar que existe probabilidade séria de verificação da justa causa;

e) Se o despedimento for declarado ilícito, o empregador não se pode opor à reintegração do trabalhador e o trabalhador tem direito, em alternativa à reintegração, a indemnização, determinada pelo tribunal entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade;

f) Ademais, a violação deste regime constitui uma contraordenação grave, podendo os valores alcançar 9.960€.

  • O legislador português, ao contrário do alemão, estabeleceu que o regime legal sobre a cessação do contrato de trabalho é imperativo, no sentido de as suas regras não estarem à disposição das partes aquando da celebração do contrato de trabalho ou de convenção coletiva. Neste sentido, as partes, num contrato em específico, não poderão excluir uma modalidade de cessação ou, a título exemplificativo, salvaguardar o trabalhador de estar abrangido por um despedimento coletivo. Todavia, poderá ser regulado por convenção coletiva os critérios de definição de indemnizações e os prazos e de procedimento de aviso prévio e, dentro dos limites legais, os valores de indemnizações pela cessação do contrato.

Este artigo foi elaborado originalmente em Inglês, por João Villaça da DCM | Littler e por Kim Kleiner da Vangard | Littler, durante a sua colaboração com o escritório da DCM | Littler, em Portugal.

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