Parte 2: Aspetos do Direito Alemão e Português com provável menor notoriedade
O presente artigo procura introduzir as diferenças (e semelhanças) existentes nos ordenamentos jurídicos alemão e português em matéria de proteção especial contra o despedimento.
Nesta segunda fase, identificaremos determinados tipos de trabalhadores que também detêm um grau especial de proteção contra o despedimento, mas que, eventualmente, poderão ter uma menor notoriedade.
1. O Ordenamento Jurídico Alemão
O seguinte poderá ter uma menor notoriedade, embora grande relevância, na prática:
- De acordo com a Sec. 22, para. 2, frase 1 da Lei de Formação Profissional (BBiG), os estagiários só podem ser despedidos por justa causa após o final do período de estágio. Como aponta a jurisprudência germânica, tal apenas será possível no caso de o objetivo do estágio estiver significativamente comprometido, para além de a continuação da relação de treinamento não for razoável, p. ex., devido a questões relacionadas à confiança, como roubo ou fraude.
- Se trabalhadores ou trabalhadoras se comprometerem a realizar o serviço militar voluntário, eles recebem o mesmo status que os ex-combatentes – ou, no caso de um estado de tensão ou defesa, os recrutas atuais, – de acordo com a Sec. 58 (f) da Lei dos Soldados (SG). Isto significa que o empregador não pode cessar a relação laborar a partir da data de notificação da convocação até o final do serviço militar. Todavia, não obstante tal também poder aplicar-se, por analogia, àqueles que realizam o serviço civil, não se aplica aos participantes do Serviço Voluntário Federal.
Outros factos, de eventual menor relevância, são, por exemplo, a proteção especial contra o despedimento de representantes especiais de empresas:
- O encarregado de proteção de dados, nomeado com base em uma obrigação legal, goza de proteção especial contra o despedimento, de acordo com Sec. 6, para. 4, frase 2, e Sec. 38, para. 2 da Lei Federal de Proteção de Dados (BDSG). Por conseguinte, o empregador só pode cessar a relação laboral sem aviso prévio no caso de haver justa causa. Ainda, de acordo com a Sec. 6, para. 4, frase 3 do BDSG, esta proteção especial continua a aplicar-se após o término da atividade como oficial de proteção de dados, com o limite de um ano. Ademais, a Sec. 626 do BGB (i.e., por justa causa) também aplicar-se-á, por analogia, a qualquer cessação do cargo de encarregado de proteção de dados. Tal como confirmado pelo Tribunal Federal do Trabalho (BAG), na sequência de uma decisão prejudicial do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), esta proteção muito abrangente não é contrária à lei, e, como toda proteção especial, também se aplica durante o período probatório e o período de espera, nos termos da Sec. 1, par. 1 do KSchG (i.e., a partir do início da relação laboral). O BAG enfatizou que a proteção especial contra o despedimento não é desproporcional, dado que um empregador (não público) tem a liberdade de escolher se deseja nomear um encarregado de proteção de dados interno, que está, portanto, sujeito a proteção especial contra o despedimento, ou um responsável externo pela proteção de dados (não sujeito a especial proteção).
- O responsável pelo cumprimento normativo em matéria prevenção do branqueamento de capitais, nomeado com base em obrigação legal, nos termos da Sec. 7, para. 1 da Lei Alemã de Branqueamento de Capitais (GWG), ou por ordem da Autoridade Supervisora nos termos da Sec. 7, par. 3 da GWG, também goza de proteção especial. De acordo com Sec. 7, para. 7, frase 2 da GWG, a cessação da relação de trabalho (durante o mandato) não é permitida, a menos que existam fatos que permitam ao empregador despedir por justa causa sem observar um período de aviso prévio. O responsável pelo cumprimento normativo em matéria prevenção do branqueamento de capitais e o seu representante estão protegidos contra o despedimento e não podem sofrer qualquer desvantagem na relação de trabalho devido ao cumprimento das suas funções, em conformidade com a Sec. 7, para. 7, frase 1 da GWG. No entanto, é importante destacar que poderão ser considerados como motivos para o despedimento a falta de denúncia de suspeitas de branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo ou qualquer outro abuso significativo de posição como responsável pelo cumprimento neste contexto. Do mesmo modo que o encarregado de proteção de dados, a especial proteção continuará a aplicar-se por um ano após o fim do exercício de funções do cargo como agente ou representante.
- Em alguns casos, os trabalhadores que detêm um mandato político ou trabalham em determinados cargos honorários também estão sujeitos a proteção especial contra o despedimento:
- Por exemplo, a Sec. 2, para. 3 do AbgG proíbe a cessação da relação laboral de membros e candidatos ao Parlamento Federal (Bundestag). A proteção especial contra o despedimento se inicia com a nomeação do candidato pelo órgão responsável do partido ou com a apresentação da proposta eleitoral e continua por um ano após o término do mandato. A cessação, devido a justa causa, permanece admissível. O mesmo se aplica aos membros do Parlamento Europeu (Sec. 3, para. 3 do EuAbgG). Em alguns casos, a lei estadual também prevê especial proteção de membros dos parlamentos estaduais e distritais, bem como a nível municipal.
Há também proibições especiais anti- discriminação para a maioria dos grupos de trabalhadores acima mencionados que desfrutam de especial proteção contra o despedimento devido ao exercício de um cargo (honorário). O mesmo se aplica aos juízes honorários, nos termos da Sec. 45, para. 1, frase 3 da Lei dos Magistrados Alemães (DRiG).
2. Portugal
Em face do abordado no regime alemão, podemos apontar o seguinte sobre o regime laboral português:
- Não se tratando de um contrato de trabalho proprio sensu, o contrato de estágio profissional extracurricular poderá mesmo cessar quando uma das partes comunicar à outra, mediante carta registada e com antecedência não inferior a 15 dias, a sua intenção de não pretender a manutenção do contrato de estágio, de acordo com o art. 12.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 junho.
- A prestação de serviço militar voluntário não gera qualquer proteção acrescida contra o despedimento. Ainda, poderá admitir-se que, dada a voluntariedade daquela prestação, o contrato de trabalho não se suspende, nos termos do art. 296.º do Código do Trabalho. Todavia, os cidadãos que prestem ou tenham prestado serviço militar têm acesso a uma série de incentivos, de entre os quais apoios à inserção no mercado de trabalho, segundo o Decreto-Lei n.º 76/2018, de 11 de outubro.
- O ordenamento jurídico português não estabelece uma proteção especial para o encarregado de proteção de dados. Todavia, como indica o art. 38.º, n.º 3 do RGPD, o encarregado não pode ser destituído, nem penalizado pelo facto de exercer as suas funções, o que indica que há uma limitação do poder disciplinar pelo responsável pelo tratamento (ou do subcontratante), enquanto empregador.
- O responsável pelo cumprimento normativo em matéria prevenção do branqueamento de capitais, do mesmo modo que o encarregado de proteção de dados, exerce as suas funções de modo independente e com a autonomia decisória necessária, nos termos do art. 16.º, n.º 3 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto. Neste sentido, não poderá ser destituído, nem penalizado pelo facto de exercer as suas funções.
- Trabalhadores com cargos políticos ou que detenham um posição honorária, no ordenamento jurídico português, não têm uma proteção acrescida contra o despedimento em razão dos demais trabalhadores.
Ordenamento Jurídico Alemão: a proteção especial contra o despedimento pode igualmente resultar do contrato de trabalho.
Finalmente, o direito de cessar a relação de trabalho também pode ser restringido por contrato. Por exemplo, é admitida a exclusão de um tipo de cessação pelo empregador em um contrato de trabalho se o empregador mantiver o direito à rescisão de caráter extraordinário. Todavia, já será inválido um acordo no contrato de trabalho segundo o qual a rescisão depende da aprovação do conselho de empresa.
Por conseguinte, restrições contratuais podem ser encontradas, por exemplo, no caso de agentes (responsáveis) de compliance, que não gozam de qualquer proteção legal especial contra o despedimento. Na prática, a proteção contratual especial contra o despedimento é frequentemente acordada visto que, de outra forma, nenhuma pessoa suficientemente qualificada poderá ser recrutada para esta tarefa especial.
Ordenamento Jurídico Português: a proteção especial contra o despedimento não pode resultar do contrato de trabalho.
A lei portuguesa, ao contrário da alemã, estabelece que o regime jurídico da cessação do contrato de trabalho é imperativo. Por conseguinte, as suas regras não podem ser alteradas pelas partes, i.e., por contrato ou acordo individual.
Nestes termos, o contrato de trabalho não pode excluir qualquer forma de cessação, nem salvaguardar o trabalhador de estar coberto por um determinado tipo de despedimento.
No entanto, como anteriormente afirmado, poderá ser regulado por convenção coletiva os critérios de definição de indemnizações e os prazos e de procedimento de aviso prévio e, dentro dos limites legais, os valores de indemnizações pela cessação do contrato.
Conclusão
Com base no acima exposto, deverá sempre ser cuidadosamente verificado se os trabalhadores estão abrangidos por uma especial proteção contra o despedimento. Assim, devem os empregadores, não só na Alemanha, mas também em Portugal, ser aconselhados a verificar cuidadosamente em cada caso, em concreto, se existirão restrições sobre despedimentos ou outras restrições, p. ex., devido a atividades voluntárias ou políticas. Neste contexto, desde que de acordo com a lei aplicável, é poderá ser oportuno questionar sobre possíveis atividades no início ou durante a relação de trabalho em curso. No entanto, desde que de acordo com a lei aplicável, poderá não haver há obrigação legal, por parte do trabalhador (ou candidato) a responder a esta pergunta.
Além disso, como poderá ser analisado, existirão diferenças de relevo entre o regime alemão e o português no que diz respeito às categorias de trabalhadores que poderão estar cobertos por uma proteção especial contra o despedimento. Com efeito, o ordenamento jurídico alemão prevê um maior número de categorias de trabalhadores que, devido ao seu estatuto ou a circunstâncias diversas, gozam de maior proteção contra o despedimento, ao passo que a lei portuguesa não prevê essa proteção em variados casos. Por esta razão, é altamente recomendável examinar minuciosamente a proteção especial existente contra o despedimento antes de iniciar um procedimento com vista ao despedimento. Claro, teremos prazer em apoiá-lo a este respeito.
Este artigo foi elaborado originalmente em Inglês, por João Villaça da DCM | Littler e por Kim Kleiner da Vangard | Littler, durante a sua colaboração com o escritório da DCM | Littler, em Portugal.