Um motorista “UBER” pode ser considerado trabalhador?
Antes de mais, cumpre referir que pretendemos apenas dar uma breve nota sobre os traços gerais de um caso muito recente.
Em 16 de junho foi divulgada uma decisão da “California Labor Commission” que considerou como trabalhadora uma motorista que utilizava a plataforma “UBER”, afastando a sua qualificação jurídica como prestadora de serviços independente.
Segundo tem sido divulgado, as autoridades públicas norte-americanas já decidiram de forma distinta noutros casos semelhantes; por outro lado, esta decisão – a manter-se – pode ter efeitos muito significativos na atividade em apreço e pode provocar um efeito em cascata noutras empresas que prestam serviços através de “smartphones”.
No essencial, foi considerado que a empresa está envolvida em todos os aspetos fundamentais do transporte de passageiros, visto que (i) compete-lhe escolher e selecionar os motoristas que podem aceder à aplicação informática, sem a qual não pode ser prestado o serviço; (ii) cabe-lhe obter e indicar os clientes disponíveis ao motorista, através de uma aplicação informática; (iii) o motorista deve fornecer os seus dados e disponibilizar uma viatura que não pode ter mais de 10 anos, podendo a empresa controlar a qualidade do serviço através da avaliação dos clientes (uma avaliação inferior a 4,6 estrelas pode levar ao cancelamento do acesso à plataforma informática); (iv) o preço da viagem é fixado pela empresa, a qual paga aos motoristas um valor previamente determinado; (v) os motoristas não devem receber gorjetas; (vi) a empresa pode fornecer o “smartphone” necessário para aceder à aplicação, salvo se o motorista tiver algum equipamento compatível; e (vii) o motorista não tem qualquer função de gestão que possa afetar a rentabilidade do negócio.
Em Portugal, chegaríamos ao mesmo resultado?
De acordo com o art. 12.º, n.º1, do Código do Trabalho, [p]resume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem alguma das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
Ainda que a presunção possa ser de difícil aplicação neste tipo de situações, a natureza laboral de uma atividade pode resultar de outros aspetos, nomeadamente da inserção numa organização produtiva alheia, da proibição de desenvolvimento de idêntica atividade por conta própria ou para outros beneficiários e da insusceptibilidade de o motorista se fazer substituir por outro trabalhador, colaborador ou auxiliar.
Em suma, a fronteira entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço é ténue, suscita frequentes questões e não permite, em abstrato, definir quais são as atividades que podem seguramente ser exercidas de modo autónomo e independente. Tudo dependerá das circunstâncias do caso concreto.
Nota: publicado no Jornal OJE no dia 25.6.2015