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Abstenção de contacto e e-mails “fora de horas”?

By 17 Janeiro, 2022No Comments

O art. 199º-A do Código do Trabalho, introduzido pela muito recente Lei 83/2021, atribui ao empregador o “dever de abstenção de contacto” com o trabalhador durante os seus períodos de descanso. No reverso, protege especificamente o “exercício do direito ao período de descanso” pelo trabalhador contra reações disciplinares ou outras represálias que o empregador possa adotar, pelo facto de aquele rejeitar ou inviabilizar contactos tentados por este durante esses períodos. 

O que está em causa no preceito é, obviamente, a efetivação do direito ao repouso – é garantir que ele seja real e utilmente gozado, sem interferências relacionadas com o trabalho. Ou seja, o que a lei pretende é evitar “contactos” de serviço, tentados pelo empregador ou pelas chefias, que perturbem o descanso ou criem descontinuidades no seu gozo. 

A aplicação da norma em causa anda, pois, toda à volta do conceito de “contacto”. 

Só cabem nesse conceito atos de comunicação do empregador que sejam, por si sós, aptos a colocar o trabalhador, durante um período de repouso, perante o dilema de atender ou não. Pertencem, tipicamente, a essa categoria as chamadas telefónicas e as mensagens transmitidas por SMS, whatsapp e meios similares, que, inclusivamente, podem compreender notificações imediatas ao destinatário. 

O caso dos e-mails é problemático. Por um lado, o envio de um e-mail durante um período de repouso só pode constituir “contacto” se o trabalhador quiser. A atitude deste no que toca ao exercício efetivo do direito ao descanso é, neste como noutros casos, decisiva. Se o trabalhador, durante o período de repouso, vigia constantemente a sua caixa de correio e, de súbito, constata a entrada de uma mensagem do empregador, só a lerá se quiser – nada o impede de a ignorar até que termine o aludido período, nem a falta de resposta pode ser sequer interpretada como expressão de recusa ou impedimento do contacto.  

Com efeito, não é da natureza do correio eletrónico a exigência de leitura e resposta imediatas —  a não ser que elas sejam efetivamente impostas nos seus termos. Nesta última hipótese, se a expedição ocorrer durante o período de repouso, e mesmo que o trabalhador não abra a mensagem, pode considerar-se que existe violação do dever imposto pelo art. 199º-A.  

Pouco mais pode adiantar-se em abstrato. É manifesto que a noção de “contacto” pode concretizar-se (ou não) de múltiplas formas; uma cuidada análise casuística é sempre necessária.  

António Monteiro Fernandes, Of Counsel@ DCM | Littler