O confinamento imposto pela pandemia do Covid-19 constituiu uma oportunidade (forçada) para a utilização massiva do teletrabalho ou, em bom rigor, do trabalho à distância. O teletrabalho – ou esta nova modalidade de trabalho à distância criada pela legislação à la Covid-19 – tornou-se inevitável em tempos de pandemia, sendo que os empregadores e os trabalhadores demonstraram uma grande capacidade de adaptação.
No momento em que regressamos progressivamente a um “novo normal”, cabe ponderar se a atual regulação do teletrabalho não deveria ser revista para (i) abranger, de forma mais clara, todas as situações de trabalho à distância (v.g. teletrabalho “puro”, trabalho à distância, trabalho em rotação), bem como para (ii) adaptar diversos regimes inicialmente pensados para a prestação da atividade fora do domicílio pessoal, num local previamente determinado e organizado pelo empregador e no âmbito de um tempo de trabalho por este diretamente controlado (v.g. segurança e saúde no local de trabalho (cfr. Lei n.º 102/2009), reparação dos acidentes de trabalho (cfr. Lei n.º 98/2009), controlo e vigilância à distância – cfr. Teletrabalho e COVID-19: limites à fiscalização do empregador e O COVID-19 e os dados de saúde nos trabalhadores: o equilíbrio ténue entre a privacidade e o interesse da empresa).
O acidente de trabalho pode ocorrer, em regra, no local e no tempo de trabalho, mas igualmente noutras situações relacionadas com a atividade laboral (cfr. se sair do carro a meio do transito e sofrer um acidente, existe acidente de trabalho? e acidente a caminho dos avós?).
Coloca-se, por conseguinte, a seguinte questão: será acidente de trabalho aquele que ocorre dentro de casa do trabalhador? O TRL debruçou-se sobre o tema em 2015, afirmando: “não é acidente de trajeto aquele evento que se traduz na queda do trabalhador no logradouro privado da sua habitação, quando aí se deslocava, provindo do seu local de trabalho, com vista a tomar a refeição do almoço (Ac. TRL de 7.10.2015 (José Eduardo Sapateiro), proc. nº 408/13.1TBV.L1-4) – cfr., ainda, Acidentes de percurso: responsabilidade laboral?
As situações de alargamento dos conceitos de tempo e de local de trabalho estão associadas à redistribuição do risco a partir do momento em que o trabalhador sai da sua zona de conforto ou de controlo em benefício do empregador. Contudo, o trabalho à distância pode ter um de dois efeitos: (i) desoneração do empregador e das companhias de seguro, porque o trabalhador assume o risco; ou (ii) ampliação quase ilimitada da responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho.
Acresce que no teletrabalho “puro” ou num regime misto, o direito à privacidade do trabalhador e do seu agregado familiar coloca limites significativos à ação do empregador para definir, implementar e controlar regras e procedimentos em matéria de segurança e saúde no trabalho e de prevenção de acidentes de trabalho.
Finalmente, ainda que se admitam os acidentes de trabalho no domicílio, o afastamento da presunção da origem da lesão (cfr. art. 10.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009) pode revelar-se diabolicamente difícil.
Esperemos que esta nova fase das relações profissionais possa ser acompanhada de uma abertura para rever a legislação laboral, de forma aberta e participada.
David Carvalho Martins | Joana Guimarães | DCM LAWYERS