Com a mais recente reforma laboral, a apelidada Agenda do Trabalho Digno 2023 (v. Lei n.º 13/2013, de 3 de abril de 2023), surgiu pela primeira vez, de um modo legal expresso, a figura da “proibição da remissão abdicativa” – a entrada em vigor, de um modo geral, data de 01.05.2023.
A figura da remissão abdicativa em Direito do trabalho já era conhecida pelo labor da jurisprudência pátria, sobretudo pela pena do STJ; não obstante, as decisões proferidas coordenam um sentido aplicado a casos concretos, com particularidades que não se relevam concordantes com uma lei geral e abstrata – ou, com uma proibição geral determinada por lei (v. o novo art. 337.º, n.º 3, do CT).
A nova lei (o referido art. 337.º, n.º 3, do CT) disciplina então que:
O crédito de trabalhador, referido no n.º 1, não é suscetível de extinção por meio de remissão abdicativa, salvo através de transação judicial.
E refere o n.º 1 do mesmo preceito que:
O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
A remissão abdicativa (ou contrato de remissão) visa, no fundo, garantir que as partes prescindem de possíveis ou efetivos créditos contratuais e tem surgido em união com as conhecidas declarações de quitação.
Assim, a proibição de remissão abdicativa, sobre créditos laborais, circunscreve-se apenas à posição do trabalhador. Quer isto dizer, em tese, que: (i) o trabalhador poderá, ainda assim, celebrar acordos de remissão quanto a créditos não laborais; (ii) o empregador poderá remeter créditos laborais e não laborais.
Nada parece obstar, também, a que se reconheça o cumprimento das obrigações assumidas pelas partes, enquanto cumprimento de deveres e obrigações juridicamente relevantes.
O que, no mais, poderá despertar importantes presunções legais no domínio retributivo e a título de contas finais (v.g., arts. 349.º, n.º 5 e 366.º, n.º 4e 5., ambos do CT). Na verdade, o pagamento de um crédito (laboral ou não), seguido de um reconhecimento de cumprimento integral de obrigação existente (e que, então se pretende reconhecer como extinta), desperta uma presunção natural ou judicial de cumprimento – desta feita, caberá à contraparte uma superação da mesma presunção mediante prova do contrário.
Chegando a este ponto, será possível redigir acordos a “custo zero”, para revogação do contrato de trabalho?
Nalguns setores mais fechados, esta via é fundamental, sobretudo aqueles cuja atividade profissional depende seriamente da imagem e confiança comercial que a empresa transmite para o exterior (v.g., setor bancário).
Imagine-se o caso de um trabalhador bancário que pratica um furto e que, após conhecimento da empregadora, as partes pretendem celebrar um acordo de revogação pacífico, a “custo zero”, com sujeição bilateral à confidencialidade – cujo objetivo passa: (i) por um lado, não difundir o caso para o exterior, prejudicando a imagem da empregadora e (ii) não iniciar uma ação disciplinar e não manchar o currículo do trabalhador, ou não permitir, no limite, uma certa lista negra de trabalhadores no setor. O típico: cada um irá à sua vida, sem mais.
Será que as partes estão disponíveis a correr riscos com a celebração de revogações a custo zero, com a nova proibição? Não será de se antever um certo aumento do litígio e conflito laboral? Será benéfico para as partes sujeitarem-se ao mediatismo (interno ou externo à organização)? Para o trabalhador, será benéfico estar sujeito a uma ação disciplinar (do início ao fim), com a aplicação da respetiva sanção disciplinar e consequentes riscos em diante no mercado de trabalho?
O Direito do trabalho da prática, efetivamente, difere das lições da Academia e procura resolver problemas das relações laborais quotidianas. Pergunta-se, deste modo, se o mecanismo legal adotado não terá ido longe demais.
A experiência certamente nos dirá.
Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler