Tal como sabemos e pelo disposto no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25 de setembro, as empresas de trabalho temporário definem-se por serem pessoas singulares ou coletivas cuja atividade desenvolve-se na cedência temporária a utilizadores da atividade de trabalhadores que, para esse efeito, admite e retribui. Neste sentido, estas são empresas que desenvolvem e executam todo o processo de recrutamento e seleção de colaboradores para empresas delas clientes.
Contudo, é um dos objetivos da ”Agenda do Trabalho Digno”, “combater o recurso abusivo ao trabalho temporário”.
Se atentarmos aos dados apurados a partir do Relatório Único no setor das atividades das empresas de trabalho temporário, a incidência dos contratos não permanentes fixou-se nos 96% em 2019, acima dos 89% observados já em 2010.
Neste sentido, surgem mudanças significativas respeitantes à concessão de licença para o exercício da atividade. Ou seja, se atentarmos às alterações referentes ao art. 5º do Decreto-Lei, há uma extensão dos requisitos necessários para que a empresa possa exercer a atividade de trabalho temporário, nomeadamente (i) o cumprimento da obrigação de declaração do beneficiário efetivo, (ii) em vista à verificação de sua idoneidade, a não condenação da empresa, por sentença transitada em julgado, pela prática de crimes, dentre outros, laborais, contributivos e fiscais nos últimos 5 anos e na prática de contraordenações laborais muito graves nos últimos dois anos e, finalmente, (iii) a necessidade de comprovação da existência de requisitos mínimos mais rigorosos no que diz respeito às competências dos trabalhadores contratos pela empresa para o desenvolvimento de sua atividade e da existência de instalações específicas e adequadas ao exercício da atividade, perante o intuito de verificação de uma estrutura organizativa adequada.
Por outro lado, e de maneira positiva, os n.ºs 1 e 3 do art. 7.º do regime jurídico do exercício e licenciamento das agências privadas de colocação e das empresas de trabalho temporário, passam a dispor um valor mais elevado de caução. Como bem sabemos, esta caução destina-se a garantir a responsabilidade das empresas de trabalho temporário pelos encargos com os trabalhadores temporariamente cedidos. Significa isto que, quanto maior for a caução a ser prestada, maior proteção ao trabalhador por existir uma mais elevada garantia de pagamento das retribuições.
Contudo, não podemos deixar de denotar a alteração feita relativamente à integração de trabalhadores. Embora tivesse sido feita com a melhor das intenções, não deixa de levantar dúvidas, atendendo à realidade da prestação de serviços temporários por parte de um trabalhador que integre estas estruturas organizativas.
É prova disso a crítica feita pela Associação Portuguesa das Empresas do Setor Privado de Emprego e de Recursos Humanos (APESPE-RH), que afirmou que tal medida põe em causa a iniciativa privada. Embora este limite tenha sido imposto de modo a prevenir o recurso sucessivo a este tipo de trabalho considerado mais “precário” e, nas palavras do Governo, vise a “promoção do emprego sustentável”, não podemos deixar de ponderar a hipótese de, embora um trabalhador tenha sido preciso no decorrer de 4 anos, o facto de passar a fazer parte dos quadros da empresa de maneira obrigatória poderá resultar numa desadequação do serviço necessário e das qualificações deste mesmo trabalhador.
Assim, e tal como foi questionada pela APESPE-RH, não poderá estar em causa a violação do n.º 1 do art. 66.º da Constituição da República Portuguesa? Ou seja, cabe questionar se o legislador não dispunha de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo objetivo, salvaguardando os interesses ou bens constitucionalmente protegidos, nomeadamente o livre exercício da iniciativa económica privada.
Ficamos a aguardar a aplicação da lei, bem como a opinião dos Tribunais quando forem indagados a decidir sobre esta matéria.
Maria Beatriz da Silva, António Monteiro Fernandes @ DCM | Littler