A “Agenda do Trabalho Digno” compreende um vasto conjunto de alterações legislativas, aprovadas pelo Governo e em vias de apreciação parlamentar. Uma das matérias mais afetadas por esse programa legislativo é o regime do período experimental. E não se pode dizer que o pré-legislador tenha sido, nesse ponto, especialmente feliz.
Em primeiro lugar, há que apontar aquilo que ele não faz. O art. 112º do Código do Trabalho estabelece três períodos, conforme a natureza das funções, e o mais elevado é de 240 dias, ou seja, oito meses. Ficou esquecido o facto de a Diretiva (EU) 2019/1152, no seu art. 8º, dispor o seguinte: “Os Estados-Membros devem garantir que, nos casos em que uma relação de trabalho esteja sujeita a um período experimental, conforme definido na legislação ou prática nacional, este período não excede seis meses”.
Uma vez que o prazo definido para a transposição da Diretiva vai até agosto deste ano de 2022, as alterações agora projetadas poderiam/deveriam incluir essa redução. Oxalá.
Mais é mais importante o que o pré-legislador pretende fazer neste domínio. Deixando de lado algumas exigências de ordem burocrática, assim como o aumento dos casos de redução ou exclusão da experiência, apontamos apenas duas alterações propostas que se afiguram menos positivas.
A primeira consiste na exigência de justificação, por escrito, da denúncia por parte do empregador. De duas, uma: ou se pensa numa justificação ou motivação de ordem objetiva, e o período experimental deixa de fazer sentido; ou se admite uma explicação genérica e vaga, e a solução ficaria melhor na prateleira da cosmética legislativa.
Convém ter presente que o período experimental faz sentido, sobretudo, nos contratos de duração indeterminada, e podia, por esse lado, funcionar como recurso de combate contra a precariedade laboral, tão em voga no discurso político. Como se sabe, a experiência inicial tem sido feita, sobretudo, a coberto de contratos a termo. Complicar o recurso ao período experimental pode contribuir para um aumento, não uma diminuição, dessa prática tão negativa.
Depois, o projeto em causa afirma que “é ilícita a denúncia que constitua abuso de direito”. Aqui o legislador do trabalho parece dar razão a quem afirma que ele sabe pouco de Direito. Claro que é verdade o que se afirma – a ilicitude do abuso de direito vem já do art. 334º do Código Civil. Mais especificamente, a jurisprudência e a doutrina (como lhes compete) já construíram com alguma solidez a noção de abuso de direito na denúncia em período experimental. É que o abuso de direito destina-se a atuar em casos em que não há norma explicitamente reprovadora de um comportamento através do qual, pretensamente, se exerce um direito. Com a devida vénia, julga-se que o preceito em causa é não apenas inútil, mas despropositado.
Em globo, as alterações preconizadas tenderão, previsivelmente, a desmotivar ainda mais o recurso a contratos de trabalho de duração indeterminada. Não é disso que se precisa no mercado de trabalho.
António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler