Ainda na sequência da decisão do Tribunal da Relação do Porto do passado dia 14.09.2023 [decisão aqui], colocou-se ainda a questão relativa à conduta de desvio de trabalhadores como prática de concorrência desleal. Para tanto, determinou o tribunal as linhas limítrofes da deslealdade desta conduta.
Ora, na fundamentação da decisão, afirma o Tribunal que, por regra, o desvio de trabalhadores não se constitui como concorrência desleal, uma vez que o mercado de trabalho é livre e que, nesse sentido, é legítimo o recrutamento de trabalhadores de empresas concorrentes. Note-se, inclusivamente, e fugindo à base argumentativa do Tribunal, que se uma empresa tem uma determinada área de atuação no mercado, é normal que esteja limitada ao numerus clausus de profissionais que detém formação e que prestam a sua atividade naquela área, atuando também neste mercado laboral.
Mais, este comportamento de desvio de trabalhadores é inclusivamente lícito ainda que se verifiquem prejuízos para a empresa concorrente, nomeadamente a perda de clientela e/ou produtividade. Isto porque, e tal como vimos no artigo anterior ainda sobre este tema [artigo aqui], estas consequências são normais e desejáveis na atuação no mercado, nas relações entre concorrentes. O que está em causa é a forma como se desenvolvem essas práticas concorrenciais – com referência às condutas honestas por referência à práxis e aos usos de mercado.
Desta forma, o que está em causa não é a conduta de desvio de trabalhadores, mas a forma como esse desvio é praticado. Assim, se este desvio for concretizado por meios ou expedientes de todo contrários a estes “usos honestos”, então é este ato de concorrência suscetível de ser caracterizado como sendo desleal.
Destarte, são vários os fatores para avaliar a deslealdade desta conduta, tal como o número de trabalhadores, a posição dos trabalhadores em questão na empresa concorrente, ou mesmo a intenção com que esse desvio é praticado. Isto porque, se a finalidade da conduta concorrencial de desvio de trabalhadores for privar o concorrente de elementos-chave na sua estrutura empresarial, fragilizando-o, desorganizando-o, então neste caso a conduta é considerada desleal, sendo censurável e, assim, ilícita.
Em suma, concluímos que a ilicitude de práticas concorrenciais tem de ser analisada sob critérios muito específicos e na ótica do caso concreto, o que implica uma análise subjetiva na determinação da censurabilidade da conduta praticada.
José Maria Coelho @ DCM | Littler