Skip to main content
Blog

Alerta radar: mais uma decisão sobre geolocalização

By 23 Julho, 2023No Comments

No passado dia 13 de dezembro de 2022, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pronunciou-se sobre um despedimento baseado na utilização de dados de geolocalização de um trabalhador.

Já anteriormente analisamos, por diversas vezes, questões relativas a GPS e geolocalização de trabalhadores. Pode reler os textos aqui, aqui e aqui.

E, ainda que já tenha sido conhecida a decisão no ano passado, esta será crucial para entender a posição da jurisprudência europeia sobre um assunto que, parece não arredar pé.

A questão em discussão, suscitada por um delegado propaganda médica, prendia-se com a utilização, por parte de uma empresa farmacêutica, de um sistema informatizado para controlo dos custos associados às deslocações profissionais dos trabalhadores. Contudo, a empregadora decidiu utilizar um sistema de GPS em todos os veículos dos seus trabalhadores que se destinava principalmente a monitorizar as distâncias percorridas pelos trabalhadores, no exercício das suas atividades, e para efeitos comparativos entre o que de facto era percorrido e os dados que eram inseridos pelos trabalhadores.

Ora, pós uma reclamação à CNPD (Comissão Nacional de Proteção de Dados), arquivada, o recorrente trabalhador foi despedido quando ficou provado que o mesmo tinha aumentado as distâncias percorridas a título profissional, de modo a reduzir a proporção aparentemente percorrida em viagens privadas aos fins de semana e feriados e, assim, evitar o reembolso dos montantes correspondentes. Além disso, segundo os dados do GPS relativos às horas em que o veículo iniciou a marcha e parou ao final do dia, o trabalhador recorrente não tinha trabalhado as oito horas diárias exigidas.

Tanto o Tribunal de 1ª instância como o Tribunal da Relação de Guimarães, consideraram o despedimento lícito ainda que este último tivesse tido apenas em linha de conta os dados de geolocalização relativos às distâncias percorridas pelo recorrente, declarando inválidos os dados de acompanhamento da sua atividade profissional.

Tendo em conta isto, e também vincado pelo TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos do Homem), há que denotar: (i) o trabalhador sabia da instalação do sistema de GPS no veículo, que englobava tanto viagens privadas como profissionais, (ii) assinalou que o Tribunal da Relação de Guimarães teve apenas em conta os dados recolhidos quanto às distâncias percorridas para efeitos das despesas da empregadora.

Tendo sido a ação posta contra a entidade empregadora, o TEDH respondeu à pergunta do artigo art. 8.º, sobre se, o respeito pela vida privada e familiar, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, teria sido violado. Adiantamos já que a resposta foi negativa tendo por base conclusão que, também e já anteriormente, o Tribunal da Relação não pusera em causa a vida privada do trabalhador.

Assim, ao concluir que o delegado propaganda médica foi despedido por não ter respeitado os horários de trabalho previstos e por ter interferido com o funcionamento do GPS durante os fins-de-semana, apenas anulou o fundamento relativo ao horário de trabalho porque isso acabaria por corresponder a uma avaliação de desempenho do trabalhador (art. 20.º do CT), permanecendo com a premissa de que os dados de geolocalização que registam as distâncias percorridas não se enquadravam no âmbito da vigilância à distância na aceção da referida disposição e, por conseguinte, não eram ilícitas.

Ao ter em conta apenas os dados de geolocalização relativos às distâncias percorridas, e tendo sido o Tribunal da Relação de Guimarães apenas chamado a pronunciar-se sobre os fundamentos utilizados para fins de despedimento, reduziu a dimensão da intrusão na vida privada do recorrente ao estritamente necessário para atingir o objetivo legítimo prosseguido, ou seja, o controlo das despesas da empresa.

E, uma vez mais, manter-nos-emos atentos a este tipo de decisões que se têm como cruciais porque, ainda que possam parecer em tudo iguais a decisões anteriores, na verdade, os seus contornos podem diferir largamente.

Maria Beatriz Silva @ DCM | Littler