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Algoritmos ao serviço da ACT – Da necessidade de transparência

By 22 Agosto, 2023No Comments

Os órgãos de comunicação social deram eco nas últimas semanas a uma iniciativa da ACT com vista a combater a precariedade laboral. Esta medida estava prometida desde o início de 2023 através de um anúncio do governo.

Assim, a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, anunciou que o Estado estava a preparar uma ação para que as empresas regularizem as situações dos cerca de 300 mil contratos a termo que ultrapassaram o prazo legal. Para este efeito, no decurso deste anúncio foi explicado que (i)  Foi realizado um cruzamento entre as bases de dados para perceber o número de pessoas que estão com contratos a termo cujo tempo já tinha ultrapassado o prazo legal; (ii) Estava a ser preparada uma ação de deteção inteligente deste cruzamento de dados, após a aprovação da Agenda do Trabalho Digno, para que as empresas viessem a ser convidadas a regularizar estas situações.

A concretização desta iniciativa teve o seu lugar ao longo do mês de julho. Deste modo, a ACT notificou os empregadores para converterem contratos de trabalho que no entendimento da autoridade administrativa deveriam ser convertidos por terem ultrapassado os respetivos prazos legais. Esta decisão de comunicação estava suportada numa análise resultante de um prometido cruzamento de dados, pelo que tudo levaria a crer que a informação fosse fidedigna e consistente. No entanto, não foi isso que aconteceu. Pelo contrário, ficaram expostos os riscos sobre o recursos a algoritmos para fins punitivos por parte das autoridades administrativas. Vejamos.

As notificações realizadas pela ACT contemplavam pedidos de conversão de contratos de trabalho a termo de trabalhadores que já estavam identificados com contrato por tempo indeterminado nos serviços da Segurança Social, outros que já tinham visto o seu contrato cessar há vários anos ou, inclusivamente, trabalhadores com contrato a termo em virtude de reforma. Tendo em conta esta realidade e a sua exposição pública, a ACT começou a comunicar a alguns empregadores que deveriam desconsiderar a notificação inicial. Isto leva-nos a questionar se a possibilidade de cruzamento de dados e recurso a algoritmos por parte de autoridades inspetivas não deverá ter de respeitar princípios elementares de transparência. Com efeito, a ausência de informação sobre os critérios utilizados coloca as empresas num cenário de risco elevado quanto à sua defesa. Se para alguns empregadores é relativamente fácil garantir uma defesa cabal quanto à acusação ou factos imputados, para as demais a dificuldade pode ser elevada. Ainda para mais quando o procedimento especial de contraordenações resultante do art. 28.º e ss – quando a infração cuja factualidade seja passível de ser verificada exclusivamente por informação recolhida em base de dados – simplifica o direito ao contraditório das empresas.

A maior parte da doutrina e dos processos legislativos atuais estão focados no problema dos algoritmos na perspetiva da sua utilização junto pelas empresas no controlo da atividade laboral dos trabalhadores. Numa defesa da transparência, a própria Agenda do Trabalho Digno estabeleceu uma obrigação para os empregadores  incluírem no cumprimento do seu dever de informação os parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional.

Antonio Aloisi e Valerio de Stefano influenciaram o processo legislativo mundial com o seu Your boss is an algorithm[1] sugerindo pistas sobre os níveis de proteção dos trabalhadores perante o recurso a algoritmos por parte do empregador. Se calhar estamos numa fase onde também temos de nos preocupar se o inspetor autuante é um algoritmo. Apenas desta forma podemos proteger os empregadores do recursos abusivo do cruzamento de dados. A primeira experiência prática tem demonstrado que essas cautelas devem ser asseguradas em respeito da transparência.

Equipa DCM | Littler


[1] Bloomsbury Publishing, 2022. Versão italiana: Il tuo capo è un algoritmo – Contro il lavoro desumano, Tempi Nuovi, 2020