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Alguns “erros linguísticos” da Agenda do Trabalho Digno, ou mero “esquecimento” legislativo?

By 16 Maio, 2023No Comments

Com a entrada em vigor (quase plena) da Lei n.º 13/2023 de 3 de abril, que altera o Código do Trabalho e legislação conexa, no âmbito da agenda do trabalho digno, já é possível encontrar, nos vários textos impressos e editados, de que modo a lei (Código) passou a integrar as novas redações.

É, também, com um texto consolidado que podemos analisar – de fio a pavio – os vários preceitos na sua integra e depreender, destes, se existem ou não incoerências ou contradições. O presente texto visa, precisamente, identificar o verdadeiro (assim como o real) sentido do legislador quanto a algumas disposições do Código.

– Em primeiro lugar, ao nível do período experimental (*):

  • A nova redação do art. 111.º passou a incluir um novo n.º 4: “caso o empregador não cumpra o dever de comunicação previsto na alínea o) do n.º 3 do artigo 106.º no prazo previsto no n.º 4 do artigo 107.º, presume-se que as partes acordaram na exclusão do período experimental”.
  • Todavia, o legislador olvidou-se do n.º 3, que o precede, determinando que: “o período experimental pode ser excluído por acordo escrito entre as partes”.
  • Ora, segundo o art. 219.º CC, quando a lei exige forma especial para a validade da declaração negocial, essa forma especial é imposta para a devida produção de efeitos;
  • Trata-se, assim, de uma incoerência legislativa: se as partes nada estipularem sobre o período experimental, presume-se que o período experimental foi excluído, ou presume-se que as partes não pretenderam excluir o período experimental?

 – Em segundo lugar, ao nível de faltas por motivo de falecimento (quanto a unidos de facto ou em economia comum):

  • A nova redação do art. 251.º, n.º 2 determina que: “aplica-se o disposto na alínea b) do número anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, nos termos previstos em legislação específica”;
  • A mesma alínea b) do n.º 1, art. 251.º, determina: “até cinco dias consecutivos, por falecimento de parente ou afim no 1.º grau na linha reta não incluídos na alínea anterior”;
  • Sendo que, anterior à data da alteração legislativa, entendia-se que a alínea a) do n.º 1, art. 251.º era aplicável às situações equiparadas ao cônjuge não de parado de pessoas e bens: “até 20 dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou equiparado, filho ou enteado”;
  • O legislador olvidou-se, uma vez mais, que já existia texto que permitia a interpretação-aplicação de um normativo diferente. Permanece por saber: se existe uma revogação implícita quanto à situação dos “equiparados”? Quem são, afinal, os “equiparados”?
  • Parece existir um total colapso com um princípio de igualdade de equiparação legal, próprio do Direito da família.

– Por fim, a propósito da exclusividade laboral:

  • Com a nova redação do art. 129.º, n.º 1, k) determina-se que: o empregador não pode “obstar a que o trabalhador exerça outra atividade profissional, salvo com base em fundamentos objetivos, designadamente segurança e saúde ou sigilo profissional, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício” e um novo n.º 2 do mesmo preceito: “o disposto na alínea k) do número anterior não isenta o trabalhador do dever de lealdade previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo anterior nem do disposto em legislação especial quanto a impedimentos e incompatibilidades”;
  • Trata-se de uma primeira abordagem à exclusividade no âmbito laboral, fora dos casos de pluralidade das relações de trabalho e do dever de lealdade no contexto de trabalho. Esta abordagem provém do Direito da União Europeia [art. 9.º da Diretiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019];
  • A proibição apenas vale do ponto de vista unilateral, pelo que não são proibidos os acordos de exclusividade [é proibido ao empregador apenas e por si, não sendo proibida a (auto)limitação pelo acordo, por via dos arts. 81.º e 405.º, ambos CC];
  • Não obstante a boa vontade, numa leitura a contrario, a exclusividade, que antes seria pacífica e consentaneamente alcançada por acordo das partes, poderá agora, de outro modo, ser unilateralmente imposta quanto estejam em causa fundamentos objetivos relacionados com informação comercialmente sensível (v.g., segredos de negócio), deixando alguma margem para potencial conflito laboral que entendemos ser desnecessário.

Estas são apenas algumas referências. Estaremos, certamente, atentos a futuros desenvolvimentos (e, quiçá, a novas leituras).

(*) A seguinte construção sobre o período experimental, partiu de/ e deve-se a Júlio Gomes, in Conferência o Futuro do Trabalho Hoje, 23.03.2023, Universidade do Minho, a quem respeitosamente deixamos a menção e referência.

Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler