A 14 de Setembro deste ano, veio o Tribunal da Relação de Guimarães (doravante TRG) declarar ilícito o despedimento de uma trabalhadora de uma creche que terá castigado e punido uma criança de quatro anos, reiteradamente, isolando-a das restantes crianças numa sala de arrumos, de forma a não perturbar um colega autista.
O litígio em apreço opõe uma Trabalhadora e a Escola em que esta trabalhava, no qual a primeira intenta a impugnação do seu despedimento, por considerar que os factos que sustentaram a sanção disciplinar não correspondem à verdade. A empregadora alegou que a trabalhadora terá colocado várias vezes a criança num quarto de arrumos existente no refeitório da escola com a porta fechada, tendo inclusive, num dia específico, deixando a mesma a almoçar nesse espaço. Vem a recorrente pôr em causa a expressão “porta fechada”, bem como a prova deste facto em instância inferior.
Questionamos: mesmo que a porta estivesse, de facto, aberta, será este um elemento essencial para determinar uma menor gravidade da conduta pela trabalhadora praticada e consequente não justificação do despedimento?
Ora, apesar de inequivocamente considerar necessária a aplicação de sanção disciplinar, vem o TRG considerar que o despedimento terá sido desproporcional e desadequado, sustentando esta decisão em três principais fundamentos:
⦁ A criança estaria a perturbar constantemente uma outra criança que padecia de autismo;
⦁ A trabalhadora teria uma antiguidade de trinta e dois anos, durante os quais nunca fora alvo de qualquer processo disciplinar;
⦁ Apenas casos extremos justificam o despedimento, em nome do princípio constitucional de proibição de despedimentos arbitrários e da segurança no emprego, nos termos do artigo 53.º CRP;
⦁ A conduta da trabalhadora estaria inserida num contexto capaz de atenuar a culpa e justificando assim a inexistência de justa causa de despedimento.
A noção de justa causa para despedimento por facto imputável ao trabalhador é-nos dada pelo artigo 351.º n.º 1 do Código do Trabalho, sendo a noção de “justa causa” ampla e normalmente apurada casuisticamente. Ainda assim, recorrentemente se diz que a noção nuclear de justa causa assenta em três vetores: (i) num comportamento culposo, por dolo ou mera negligência, violador de deveres, grave por si ou pelas suas consequências (elemento subjetivo); (ii) na impossibilidade de o empregador manter a relação laboral (elemento objetivo); (iii) em decorrência da gravidade da falta cometida (causalidade).
Ora, o TRG considerou que, à luz desta noção de justa causa e dos fundamentos supra elencados, a decisão de despedimento da Trabalhadora terá sido desproporcional, acrescentando que “um empregador “comum”, exigente, mas simultaneamente equilibrado que não seja norteado por vontade excessiva de “dar o exemplo”, não poria termo ao contrato de trabalho com a trabalhadora, antiga e meritória, cujo ato não atinge extremos e está contextualizado”.
Apesar de encontrarmos fundamento nas conclusões do Tribunal de Relação de Guimarães, esta decisão não deixa de ser controversa. Temos dúvidas sobre a demasiada benevolência desta decisão e questionamos se não terá o Tribunal aberto um precedente perigoso. Ficam as questões.
Filipa Bilé Grilo @ DCM | Littler