Os estabelecimentos hospitalares com natureza E.P.E (entidade pública empresarial), integrados no Serviço nacional de Saúde são pessoas coletivas públicas com a função de prosseguir a tarefa atribuída ao Estado, no que concerne a promoção e proteção da saúde pública.
Em matéria de recursos humanos, os trabalhadores destas entidades estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, nos termos do Código do trabalho, bem como ao regime constante dos diplomas que definem o regime legal das carreiras das profissões da saúde, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos (Artigo 27º, nº 1 do Decreto -Lei nº 18/2017, de 10 de fevereiro).
Através de acordos coletivos celebrados entre alguns hospitais E.P.E e a FNSTFPS (Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais) e a FESAP (Federação de Sindicatos da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos) e outros, publicados no Boletim do Trabalho e do Emprego, nº 23 de 22 de janeiro de 2018, foram aprovadas duas convenções coletivas de trabalho, aplicáveis aos trabalhadores das entidades de saúde de natureza E.P.E, integradas no SNS por contrato de trabalho, ao abrigo do Código de Trabalho e que desempenhem funções idênticas às desenvolvidas por trabalhadores com vínculo de emprego público, na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas, integrados nas carreiras gerais de técnico superior, assistente técnico e de assistente operacional.
A aplicação dos acordos coletivos supra citados têm suscitado questões aos serviços e aos estabelecimentos, em particular no que diz respeito à aplicabilidade, ou não, aos trabalhadores vinculados através de contrato de trabalho ao abrigo do Código de Trabalho, das normas referentes à avaliação do desempenho e consequentemente, à possibilidade de a estes serem aplicadas as normas previstas no artigo 18º da Lei do Orçamento de Estado para 2018, relativas às valorizações remuneratórias decorrentes de alteração obrigatória do posicionamento remuneratório que transitarem para o regime de trabalho a que corresponde o período normal de 35 horas semanais.
A verdade é que as posições das partes representadas na Comissão Paritária que tem competência exclusiva para interpretar e integrar estes instrumentos de regulação coletiva de trabalho que sobre esta questão, não permitiram chegar a um consenso.
De facto, se para os trabalhadores vinculados através de contrato de trabalho cuja remuneração base não exceda a remuneração correspondente à dos trabalhadores em funções públicas a transição para o regime de trabalho a que correspondem 35 horas semanais se faz automaticamente, o mesmo já não acontece para os que auferirem remuneração superior.
Para estes últimos deve reconstruir-se a situação à data em que foi contratado pela entidade E.P.E para o exercício do conteúdo formal que o mesmo assegure à data da entrada em vigor da convenção coletiva de trabalho e apurar qual seria o seu posicionamento remuneratório caso tivesse celebrado contrato de trabalho em funções públicas com a remuneração base igual à da primeira posição remuneratória, calculando a proporção face à remuneração fixada no momento da sua contratação.
Por sua vez, os representantes das entidades E.P.E do SNS, que outorgaram os acordos coletivos aqui em crise, têm vindo a seguir as orientações da ACSS, I.P (Administração Central do Sistema de Saúde, I.P) e têm defendido que do texto das citadas clausulas não constam referencias expressas, nem à avaliação do desempenho nem à aplicação do art. 18º da Lei do Orçamento de estado 2018, referente ao descongelamento das carreiras. Defendem que a ficção prevista nos respetivos acordos coletivos de trabalho deve ser efetuada única e exclusivamente para efeitos de passagem dos trabalhadores para o regime das 35 horas semanais, bem como o seu correspondente reposicionamento remuneratório.
De modo a sanar a falta de entendimento entre as entidades e os trabalhadores, têm sido entrepostas várias ações. Ainda assim, a decisão continua a não ser consensual.
Se por um lado a primeira instância tem defendido que não se pode prescindir da reconstituição da carreira para que seja alcançado o desidrato do disposto no nº 2 da clausula 32º, pois só dessa forma se poderá alcançar a remuneração/hora que um funcionário, admitido ao abrigo de um contrato individual de trabalho teria direito se tivesse sido contratado mediante um contrato de trabalho em funções públicas, com tudo o que isso implicasse, máxime, a antiguidade.
E que, a não ser assim descurar-se-ia toda a antiguidade da autora e eventuais progressões a que teria direito caso ab initio tivesse sido contratada ao abrigo de um vínculo de emprego público.
Por outro lado, o Tribunal da Relação têm assumido diferente decisão.
Em sentido contrário ao da primeira instância o Acórdão do Tribunal Da Relação de Lisboa, no processo 26741/20.8T8LSB. L1
A clausula em apreço manda apurar como é que determinada situação seria se tivesse lugar um circunstancialismo que, em rigor, não ocorreu.
E nem se esgrima que ainda que a reconstituição em causa, cuja realização a sentença determinou em termos efetivos, não ocorresse, por força do estatuído nesta clausula sempre teria lugar por via da aplicação do disposto na clausula 33ª.
Se assim fosse, aliás, cumpriria questionar qual seria a utilidade da simulação referida no nº 3 da clausula 32ª.
Em síntese, o nº3 da clausula 32ª do acordo coletivo (…) determina que opere uma (mera) simulação para os efeitos ali determinados e não uma reconstituição da carreira (percurso) profissional do trabalhador em sentido rigoroso.
Sabendo que os trabalhadores não se conformam com a decisão em Segunda Instância, é expectável que muito mais se venha a discutir sobre o assunto e que a doutrina seja obrigada a fixar um entendimento que venha sanar as constantes dúvidas.
Leonor Frazão Grego @ DCM | Littler