David Carvalho Martins, Managing Partner da DCM | Littler, para o Jornal Económico.
No passado dia 6 de junho, o Governo apresentou uma proposta de lei destinada a alterar a “legislação laboral no âmbito da agenda de trabalho digno”. A consulta publica esta em curso até ao dia 22 de julho.
Esta proposta de lei estabelece medidas, nomeadamente, sobre (i) a sucessão de contratos a termo e de contratos de trabalho temporário,
(ii) a limitação da renovação dos contratos de trabalho temporário, (iii) a alteração das regras de atribuição e manutenção de licenças de empresa de trabalho temporário, (iv) a obrigatoriedade de vínculos mais estáveis nas empresas de trabalho temporário,
(v) o alargamento da compensação no caso de cessação de contrato de trabalho a termo, certo ou incerto, para 24 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade, (vi) a criação de disposições que visam prevenir riscos e abusos no período experimental relativamente às pessoas à procura do primeiro emprego, (vii) a criminalização do trabalho não declarado, (viii) a criação de uma presunção de existência de contrato de trabalho com os operadores de plataforma, (ix) o reforço de deveres de informação e transparência no que toca ao uso de algoritmos e de outros sistemas de inteligência artificial em contexto laboral, (x) o alargamento da contratação coletiva a “novas categorias de trabalhadores” e (xi) o reforço dos mecanismos da inspeção do trabalho.
De forma sintomática, se dúvidas houvesse, o preâmbulo sublinha a “preocupação específica com os jovens e jovens adultos” e, em geral, com os trabalhadores, mas não deixa qualquer palavra de apoio às pessoas do outro lado da relação laboral (empresas ou empregadores individuais).
A ausência de qualquer preocupação com o outro lado da relação laboral é de tal forma visível que até a lei do serviço doméstico foi alterada para sobrecarregar os agregados familiares.
Será que as dificuldades de ingresso – ou de reingresso — no mercado de trabalho são combatidas aumentando os custos laborais e tornando um pesadelo a gestão de uma micro ou pequena empresa? Fará sentido sustentar que o reforço dos direitos – e o incremento dos custos – permitem à iniciativa económica florescer e, desse modo, assegurarmos um “boom” de criação de emprego? Será que o emprego não cresce de forma sólida e sustentada para níveis de pleno emprego devido a uma (suposta) excessiva flexibilidade e desregulação do mercado de trabalho?
Ao invés, o futuro do trabalho deveria passar por um novo nível de equilíbrio das relações laborais que não esqueça os empresários, por maior flexibilidade sobre como, quando e onde se presta a atividade laboral, por incentivos à produtividade e por um acolhimento das novas tecnologias de forma mais sólida e experimentada, sem esquecer uma tributação mais amiga dos trabalhadores.
Tememos que as alterações em debate sobre o trabalho digno tragam o trabalho do passado, com algumas pinceladas de modernidade, num contexto de incerteza económica e financeira. Este pode fazer ruir, pela base, o desiderato de deixarmos aos nossos filhos uma sociedade – e um mundo do trabalho – melhor do que aquele que recebemos dos nossos pais.