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As minhas mensagens no Whatsapp podem ser utilizadas contra mim?: fundamento de justa causa para despedimento

By 3 Julho, 2023No Comments

Num Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 28-03-2019, o Tribunal vem pronunciar-se sobre a questão de saber se as mensagens publicadas num grupo WhatsApp podem ser utilizadas como meio de prova no âmbito de um procedimento disciplinar que, neste caso concreto, culminou com a aplicação da sanção mais gravosa- o despedimento.

A questão prende-se com o facto de se poder considerar que a utilização de mensagens de WhatsApp como fundamento para sustentar a existência de justa causa para despedimento, no âmbito do disposto no art. 351º, nº 1 do Código do Trabalho, poderá constituir prova proibida, por ofensiva do direito à reserva da intimidade da vida privada, um direito constitucionalmente protegido no art. 26º, nº1 da CRP, e ainda referenciado em outros diplomas legais, nomeadamente nos arts. 80º CC, art. 8º CEDH e art. 7º CDFUE. Mais ainda, este direito é também protegido no âmbito da própria relação laboral, no art. 16º do CT, onde se refere que o direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso quer a divulgação de aspetos atinentes à vida pessoal, íntima e familiar do trabalhador. A extensão da reserva será variável em face de circunstâncias concretas, que terão de ser analisadas casuisticamente.

De modo a densificar o conteúdo deste direito, cabe recorrer à «teoria dos três graus ou das três esferas», de criação jurisprudencial alemã. De acordo com essa construção, podem distinguir-se: a esfera da vida íntima ou da intimidade, correspondente a um domínio inviolável e intangível da vida privada, subtraído ao conhecimento de outrem; a esfera da vida privada propriamente dita, que abrange factos que cada um partilha com um núcleo limitado de pessoas, e a esfera da vida pública ou vida normal de relação, envolvendo factos suscetíveis de serem conhecidos por todos, que respeita à participação de cada um na vida da coletividade.

No caso em análise, um trabalhador enviou mensagens num grupo de trabalho no WhatsApp, do qual faziam parte comandantes e pilotos que operam de e para o Aeroporto de Faro, sendo que parte delas continham um conteúdo pejorativo sobre um colega de trabalho. Nesta sequência, estas mensagens foram reportadas pelo Comandante de Base, B… (CB FAO) – que fazia parte do referido Grupo do WhatsApp, “Trocas de CMDT FAO”, sendo, portanto, um dos destinatários das mensagens do Recorrido – que, tendo ficado preocupado com o conteúdo intimidatório e ameaçador das mensagens em causa, e com o impacto das mesmas no colega co-Piloto visado, as deu a conhecer à sua hierarquia na Recorrente (entidade empregadora).

Neste sentido, importa destacar que do conjunto dos factos provados se extrai que a apelante, na qualidade de empregadora do apelado, instaurou-lhe um processo disciplinar que teve na sua origem o conhecimento adquirido de um conjunto de mensagens enviadas pelo mesmo num grupo fechado e privado do WhatsApp.
A acusação disciplinar com intenção de despedimento, comunicada ao trabalhador, foi acompanhada de uma fotografia com as mensagens publicadas no referido grupo de WhatsApp.

Entende-se que qualquer prova obtida mediante abusiva intromissão na vida privada, na correspondência ou nas telecomunicações é nula, em conformidade com o preceito no n.º 8 do art. 32.º da CRP. Ainda que este preceito se refira às garantias do processo criminal, entende-se que o mesmo tem igualmente aplicabilidade ao procedimento disciplinar, tendo em consideração a sua finalidade sancionatória.

Ora, entendeu o Tribunal que as mensagens enviadas por este trabalhador no aludido grupo WhatsApp situar-se-iam no plano da clássica «esfera da vida privada». Neste contexto, “tendo as mensagens em causa sido emitidas num ambiente privado, e tendo como destinatários os membros do grupo restrito, afigura-se-nos que as mesmas têm carácter pessoal e privado e, como tal, a apelante não poderia fazer uso de tais mensagens para efeitos disciplinares, porque tal lhe estava vedado pelo protegido direito de reserva da intimidade da vida privada e pela tutela legal e constitucional da confidencialidade da mensagem pessoal”. Tal constituiria, por isso, prova proibida, pelo que não poderia ser utilizada para fundamentar uma justa causa de despedimento.

No entanto, cumpre fazer a ressalva de que esta decisão não é isenta de dúvidas. Manifestação disso é, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 9 de agosto de 2014 (Processo nº 101/13.5TTMTS.P1, Juiz Relator Maria José Costa Pinto), em que se refere que não é “aceitável que o empregador fique impedido de tomar em consideração os posts publicados num grupo com estas características que cheguem ao seu conhecimento e que revistam – ou possam traduzir – a violação de deveres laborais por parte dos utilizadores relativamente a questões conexas com a prestação de trabalho, sob pena de poder ficar gravemente comprometido o normal funcionamento da empresa, bem como a sua reputação ou a de colaboradores seus”.

Ficaremos atentos a futuras decisões jurisprudenciais relativas a esta matéria.

Raquel Castro Guerreiro @ DCM | Littler