A igualdade e não discriminação laboral é um dos principais (talvez o mais importante) tema da law in books vs. law in action. Apesar da lenta progressividade, notamos que a igualdade e não discriminação em função do sexo – e, por via de interpretação atualista ou extensiva, do género – tem assumido especial preponderância no Trabalho 4.0. ou Trabalho 5.0., para quem já o admita.
Existem atualmente diversos campos de batalha, entre outros: (I) ao nível do gap salarial entre trabalhadores/as (discriminação ao nível da remuneração); (II) bem como ao nível da progressão de carreiras e a ocupação dos cargos de direção/liderança (cargos de chefia); e, ainda, (III) o respeito pela vida íntima, privada ou familiar das trabalhadoras.
Esta discussão não é académica. De acordo com dados da União Europeia de Abril de 2021, as mulheres da EU recebem, em média, menos 14% por hora do que os homens.
Estes têm sido alguns dos aspetos mais importantes do catálogo de desafios (por resolver), sem prejuízo dos alertas que têm sido efetuados, v.g., para as cláusulas discriminatórias de convenções coletivas, que também merecem a devida atenção para supressão ou eventual renegociação ou revisão.
Apesar da tendente progressão – e avanços alcançados – novos desafios surgem com respeito à economia algorítmica, ou dos dados insensíveis que procuram explicar o trabalho enquanto bem-mercadoria, ao invés do envolvimento da pessoa do trabalhador numa organização que se quer democratizada e aberta à cidadania de todos os trabalhadores e trabalhadoras. As apps e plataformas potencializaram a criação de emprego, mas postulam, por sua vez, recursos, disponibilidade (trabalho on call) e determinadas competências ou tarefas (tarefas vs. microtarefas) apreciadas em número “a nu”, sem qualquer ponderação devida – originando, desta forma, uma maior vulnerabilidade em contexto de precariedade. Sobre a discriminação algorítmica, podemos remeter para observações, por nós, já feitas no passado.
Há, todavia, um “elefante na sala” quando abordamos o tema da desigualdade ou discriminação em função do sexo e do género. Por norma, pensamos para o agora e não para o futuro.
Numa perspetiva futura, destacamos já um estudo da Organização Internacional do Trabalho, datado de julho de 2021, na sequência da pandemia, denominado Building Forward Fairer: Women’s rights to work, do qual resulta, em suma que:
I) As desigualdades entre mulheres e homens no mundo do trabalho foram agravadas durante a pandemia da COVID-19 e vão persistir;
II) Haverá menos 13 milhões de mulheres empregadas em 2021 em comparação com 2019, enquanto que o emprego masculino terá recuperado para os níveis de 2019.
III) Embora o crescimento previsto do emprego das mulheres em 2021 exceda o dos homens, será, no entanto, insuficiente para trazer as mulheres de volta aos níveis de emprego pré-pandemia.
Ou seja, será uma desigualdade que tenderá a permanecer e a não esvanecer.
O tema do emprego não pode, pois, desligar-se da futura proteção social das trabalhadoras discriminadas nos seus anos de ativo laboral, no respeitante à sua remuneração. Sobre este tema questionamos: Não existirá, também, um problema de desigualdade e discriminação ao nível da reforma? O que podemos dizer sobre trabalhadoras que possuíram ilicitamente estatutos remuneratórios desiguais diante dos demais trabalhadores? Relembra-se que a existência da pessoa humana (homem ou mulher) pressupõe a existência própria, livre e digna, dentro ou fora do Mercado de Trabalho: no âmbito da situação de reforma pressupõe-se um cuidado intenso e constante ao longo da carreira contributiva (todos os anos de ativo no Mercado de Trabalho), observando todas as regras de igualdade e não discriminação.
Receamos que, aquando da chegada da reforma – e por este direito ser de formulação continuada, estando num estado de mera expetativa aquando do período contributivo – é tarde demais para proceder a emendas ao longo de todo o caminho traçado na vida laboral. De acordo com os dados mais recentes disponibilizados pela PORDATA , em Portugal, em 2019, a esperança média de vida das mulheres cifra-se nos 83,7 anos, contra os 78,1 anos dos homens. Ou seja, as mulheres vivem mais tempo. Vivem mais tempo a auferir uma reforma que, pelas diferenças salariais existentes ao longo da vida, é mais baixa do que a de um homem.
As apelidadas “medidas de discriminação positiva” (aqui podemos discutir se as medidas corretivas ou de nivelamento material são ou não uma discriminação na verdadeira aceção da palavra empregue) têm assumido um papel importante quando aplicadas segundo juízos de proporcionalidade. É o caso do sistema de quotas representativas aplicadas à luz do arts. 23.º e ss. do CT, particularmente o art. 27.º. enquanto ações positivas. Todavia não parecem ser aptas a resolver (pelo menos por forma completa) o problema em mãos. A desigualdade presente transforma-se-á, inevitavelmente, em desigualdade futura.
O que talvez possa ser provido de sentido será o reforço legislativo em matéria de “compliance da igualdade” ou das políticas de transparência de empresas (v. Joana Fuzeta da Ponte, Promoção da igualdade de género: Mais que uma obrigação, um benefício para as empresas, Advogar, 2020) – em paralelo com um maior rigor do controlo externo –, passando pelo reforço dos deveres de informação e comunicação, um maior (e mais pedagógico) diálogo social, com reforço do diálogo e contratação coletiva, para maior adequação das organizações às necessidades dos trabalhadores. Isto, claro, partindo de uma perspetiva constante e continuada.
Apenas desta forma podemos cuidar do presente e acautelar o futuro. Procuraremos desenvolver estes temas no futuro.
Tiago Sequeira Mousinho | Catarina Venceslau de Oliveira | DCM Lawyers