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As redes sociais são um espaço de impunidade no foro laboral?

By 18 Dezembro, 2023Janeiro 5th, 2024No Comments

Imagine que uma determinada rede social garantia aos seus utilizadores o seguinte: If you were unfairly treated by your employer due to posting or liking something on this platform, we will fund your legal bill. No limit. Please let us know. Estava aqui lançado o desafio de proteger todos os utilizadores desta rede social de tratamentos indevidos dos respetivos empregadores por ações assumidas através este meio. Poderia ficar aqui a ideia de que não deveriam existir consequências laborais pela utilização de redes sociais. No entanto, como veremos, a realidade demonstra que podemos ter cenários diferentes consoante o caso concreto.

Assim, interessa analisar a questão à luz do Direito Português. Leva-se aqui a questão da liberdade de expressão e tutela da confidencialidade do trabalhador através das redes sociais e dos seus efeitos da sua violação. Este tema não é novo para os tribunais portugueses. Na verdade, em 2014, o Tribunal da Relação do Porto (TRP) foi certeiro na análise de um caso relacionado com a rede social Facebook. Resulta deste acórdão algum rigor na abordagem desta tema quando refere “As redes sociais fizeram surgir novos espaços que não se reconduzem facilmente às tradicionais esferas que se alargam progressivamente à volta do irredutível núcleo íntimo de privacidade do indivíduo, o que adensa as dificuldades em traçar os contornos da privacidade que merece a tutela da confidencialidade, pelo que se torna necessária, para a caracterização de cada situação, uma cuidada apreciação casuística”.

Continuando, de acordo com o TRP, é de fundamental relevância a ponderação dos diversos factores em presença – designadamente o tipo de serviço utilizado, a matéria sobre que incidem as publicações, a parametrização da conta, os membros da rede social e suas características, o número de membros e outros factores que se perfilem como pertinentes em cada caso a analisar –, de molde a poder concluir-se se na situação sub judice havia uma legítima expectativa de que o círculo estabelecido era privado e fechado. Deste modo, não havendo expectativa de privacidade, e estando o trabalhador ciente de que publicações com eventuais implicações de natureza profissional, designadamente porque difamatórias para o empregador, colegas de trabalho ou superiores hierárquicos, podem extravasar as fronteiras de um “grupo” criado na rede social Facebook, não lhe assiste o direito de invocar o carácter privado do grupo e a natureza “pessoal” das publicações, não beneficiando da tutela da confidencialidade prevista no artigo 22.º do Código do Trabalho.

Aqui chegados, o mencionado acórdão do TRP levanta uma questão fundamental quanto ao uso das redes sociais e respetivas consequências: existência de expectativa de privacidade por parte do trabalhador. Assim, não haverá esta expectativa quando um trabalhador tenha um comportamento inadequado numa rede social que pudesse ser sancionado disciplinarmente se praticado fisicamente. Esta parece ser a fronteira essencial para imputar responsabilidade disciplinar. Quando a rede social se disponibiliza para patrocinar apoio jurídico nestas matérias, o seu alcance não pode ser ilimitado. Devemos ter em conta que as redes sociais são o novo espaço público. Nesta medida, são um novo meio de intervenção humana. Consequentemente, qualquer conduta praticada pelo trabalhador através de uma rede social que seja violadora dos seus deveres laborais deverá ser avaliada de forma livre pelo empregador desde que não haja violação (i) da tutela da confidencialidade; (ii) da liberdade de expressão.

Nos próximos anos estes temas vão crescer na sua importância, uma vez que a dinâmica das redes sociais vai fazer parte cada vez mais dos conflitos laborais do futuro.

Equipa DCM | Littler