Neste artigo analisamos o litígio decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a 15.12.2022, mas tendo como objeto principal a reclamação que foi efetuada após tal decisão, ao mesmo tribunal, cuja decisão data de 01.02.2023.
A situação sub judice diz respeito a uma relação laboral terminada por iniciativa do trabalhador, alegando justa causa, invocando o mesmo, também nessa sede, créditos laborais em falta, em especial quanto ao trabalho suplementar.
No Acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça constata a existência de assédio, concluindo pela existência de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador.
No entanto, o relevante basta-se com o facto de, em sede de defesa, ter a Empregadora Ré invocado a existência de abuso de direito por parte do trabalhador, pelo facto de invocar os créditos laborais respetivos a trabalho suplementar, quando o contrato foi regido, informalmente, por uma espécie de isenção de horário.
O Supremo Tribunal de Justiça conclui pela inexistência de abuso de direito, porque este é incompatível com a regra do artigo 337.º do Código do Trabalho e com a formalidade legalmente exigida do acordo de isenção de horário de trabalho.
No entanto, o que é diferenciador é a afirmação que é feita em sede de reclamação pelo mesmo tribunal:
A figura do abuso de direito é excecional e supõe uma utilização do direito manifestamente contrária à boa fé e ao fim económico e social do direito. O que não ocorre quando no caso vertente a vítima de assédio só invoca os seus direitos a este nível quando o contrato cessa, porque quis evitar que a sua situação se agudizasse.
O que parece decorrer desta expressão é uma incompatibilidade, mais forte do que o costume, quando está em causa uma situação comprovada de assédio, na medida em que a situação de “controlo” e “insegurança” é realmente acentuada. Não se tratou apenas um trabalhador, que estando subordinado ao empregador, sente receio em exigir créditos laborais durante a vigência do contrato (existindo a regra do artigo 337.º do CT exatamente para proteger estas situações), tomando-se ainda nota do agravamento desta situação de receio, se o trabalhador já se sente ameaçado pela existência de assédio.
A posição, com esta especificidade, acrescentada pela decisão à Reclamação, é de louvar, pela sua sensibilidade jurídica, ainda que, no fundo, a decisão sempre fosse essa.
Inês Godinho @ DCM | Littler