Enquanto relações interpessoais, as relações laborais são vulneráveis a conflitos.
Nesse âmbito, não raro o trabalhador reclama o reconhecimento judicial de situações que qualifica de assédio moral (“mobbing”), peticionando o pagamento de avultadas indemnizações a título de danos morais.
Não obstante, os tribunais concluem amiúde que tais situações correspondem ao regular exercício do poder de direção do empregador, dentro dos limites da lei e do contrato, enquanto corolário da gestão normal do funcionamento da empresa.
Devemos referir que o assédio moral consiste no comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
A jurisprudência portuguesa tem distinguido o assédio moral de situações que constituem simples constrangimentos profissionais resultantes de decisões legítimas advenientes da organização no trabalho.
A título de exemplo, os tribunais têm entendido que as seguintes situações não constituem, necessariamente, assédio moral: (i) a alteração dos projetos cometidos ao trabalhador, ditada por razões de ordem empresarial; (ii) oferta de cabazes de Natal aos trabalhadores que registam um maior volume de faturação; (iii) a redefinição ou alteração do local de trabalho, norteada por critérios de gestão empresarial (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.04.2010); (iv) a supressão do regime de isenção de horário de trabalho e da respetiva retribuição (salvo se constituiu elemento essencial para o trabalhador aquando da celebração do contrato); (v) a imposição de uso de viatura automóvel para fins estritamente profissionais ou; (vi) as avaliações de desempenho (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26.09.2011).
Podem, porventura, ocorrer situações nas quais a conduta do empregador constitui violação de um dever legal ou contratual (por exemplo, violação do dever de urbanidade), sem que se verifique, necessariamente, uma conduta persecutória intencional do empregador que configure uma situação de assédio.
Por outro lado, a existência de tensão entre o trabalhador e o empregador não corresponde necessariamente a um comportamento de assédio moral.
É atualmente pacífico que o “mobbing” não se confunde com conflitos existentes nas organizações empresariais, nomeadamente, quadros de sintomatologia de “stress” associadas a especiais circunstâncias (como cargos de grande responsabilidade), conflitos interpessoais, agressões ocasionais não premeditadas, condições de trabalho (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 7.03.2013) ou a existência de uma relação profissional dura, pelo facto de a chefia ser muito exigente e pouco cordata (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26.09.2011).
Importa não esquecer que o poder do empregador de determinar, dirigir e orientar a atividade laboral tem fundamento constitucional na liberdade de iniciativa económica, mas encontra-se necessariamente condicionado pela força vinculante dos direitos fundamentais do trabalhador.
Em coautoria com Inês Garcia Beato.
Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 14.10.2014.