Neste Acórdão, de 28/02/2013, o TJ foi chamado a pronunciar-se sobre o sistema de formação obrigatória dos técnicos oficiais de contas na “nossa” Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (OTOC). Na origem deste caso está uma decisão da Autoridade da Concorrência (AdC) que identificou práticas restritivas da concorrência e abuso de posição dominante (arts. 101.º e 102.º TFUE) por parte daquela associação pública profissional (APP). O Tribunal do Comércio de Lisboa declarou a existência de práticas restritivas da concorrência que não se mostravam, sequer, justificadas pela necessidade de garantir o bom exercício da profissão; mas anulou a decisão da AdC na parte relativa ao abuso de posição dominante.
O TJ, no âmbito do reenvio prejudicial submetido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, considerou o seguinte:
Em primeiro lugar, os técnicos oficiais de contas exercem uma actividade económica e constituem uma empresa para efeitos do art. 101.º TFUE, independentemente da natureza complexa e técnica dos serviços prestados e da regulamentação da sua actividade.
Em segundo lugar, o dever de frequentar uma formação segundo as modalidades fixadas pela APP está estritamente ligado ao exercício da sua actividade profissional, na medida em que a sua violação podia determinar a aplicação de sanções disciplinares como a suspensão ou a expulsão da referida associação.
Em terceiro lugar, esta decisão da APP pode ser susceptível de impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência (art. 101.º, n.º1, TFUE) nos mercados onde os seus membros exercem a actividade e onde a APP exerça uma actividade económica (v.g. formação profissional).
Em quarto lugar, a adopção deste tipo de regulamentos não resulta de prerrogativas típicas de poder público da APP, mas, ao invés, da actuação típica de uma entidade reguladora de profissões cujo exercício constitui uma actividade económica.
O TJ concluiu que um regulamento de formação adoptado por uma APP deve ser considerado como uma decisão tomada por uma associação de empresas (art. 101.º, n.º 1, TFUE), independentemente das seguintes circunstâncias:
(i) A APP ser legalmente obrigada a instituir um sistema de formação obrigatória, desde que as normas aprovadas lhe sejam exclusivamente imputadas;
(ii) As normas não terem influência directa na actividade económica dos membros da APP, visto que a infracção em apreço dizia respeito a um mercado no qual a APP exercia uma actividade económica.
Para o TJ, um regulamento que institui um sistema de formação obrigatória para garantir a qualidade dos serviços prestados pelos membros da APP constitui uma prática restritiva proibida pelo art. 101.º TFUE, desde que:
(i) elimine a concorrência numa parte substancial do mercado pertinente, em proveito da APP;
(ii) imponha na outra parte desse mercado condições discriminatórias em detrimento dos concorrentes da referida ordem profissional.
As APP’s exercem funções de extrema relevância económica e social, na medida em que – em áreas de elevada complexidade técnica e responsabilidade social – promovem a garantia da qualidade dos serviços prestados pelos profissionais habilitados (cédula profissional), através do controlo do acesso e do exercício da profissão. Este sistema parte do pressuposto de que os profissionais habilitados pela APP são aqueles que estão em melhores condições para garantir a qualidade e a segurança dos serviços prestados à comunidade (v.g., médicos, engenheiros, notários, advogados, revisores oficiais de contas, técnicos oficiais de contas, etc.) e para verificar o cumprimento das normas legais, técnicas e deontológicas aplicáveis à actividade. O exercício destas atribuições deve ser, no entanto, acompanhado (de perto) pelos órgãos de soberania (em especial, pelos tribunais) em matérias essenciais como a livre concorrência ou a liberdade de escolha de profissão.
No que toca à liberdade de escolha de profissão, recordemos, nesta sede, os importantes acórdãos do Tribunal Constitucional relativos à actuação da Ordem dos Advogados (aqui e aqui).
Uma nota final. Estas preocupações encontram-se vertidas na nova lei-quadro das associações públicas profissionais, nomeadamente nos arts. 6.º, 8.º, 14.º, 17.º a 19.º, 23.º a 33.º, 36.º a 38.º, sendo, por isso, de aguardar pela aprovação e implementação dos novos estatutos das APP’s.