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Autónomos economicamente dependentes: uma “equiparação” alargada

A situação dos trabalhadores autónomos economicamente dependentes tem consideração própria na legislação do trabalho portuguesa, há mais de meio século. Reveladora da sensibilidade do legislador perante essa situação – que, em muitos casos, é tão ou mais carente de tutela do que a do clássico empregado ou trabalhador subordinado – a solução adotada (a “equiparação” para certos e muito limitados efeitos) mostrou-se sempre inconsequente e inócua. A Proposta de Lei nº 15/XV, derivada da agenda do Trabalho digno, em apreciação no Parlamento, parece querer ir muito além desse modesto nível de intervenção, ao modificar profundamente a redação do art. 10º do Código do Trabalho.

Para além da definição operatória de “dependência económica” – que se baseia no requisito de que a contrapartida económica auferida pelo profissional na relação com certa entidade ultrapasse 50% do seu rendimento total — , merecem referência dois elementos do regime de aproximação desses trabalhadores autónomos relativamente aos subordinados.

O primeiro consiste na extensão ope legis da aplicabilidade do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho vigente para o “mesmo sector de atividade profissional ou geográfico”. Trata-se, como é óbvio, de convenções coletivas, que regulam contratos individuais de trabalho, abordando aspetos como remunerações, tempo de trabalho, categorias e definições de funções, carreiras profissionais, e por aí fora. A Proposta não fornece nenhuma chave de decifração para a charada que pode suscitar-se – com vastas implicações em termos de litigância – por invocação de tal extensão. Admitamos que a apreciação parlamentar introduza neste ponto alguma claridade.

O segundo especto diz respeito à imprópria utilização da expressão “prestador de trabalho”, que já provem vem das duas versões do Código. Por muito especiosa que esta observação possa parecer, julga-se que a oportunidade deveria ser aproveitada para substituir essa designação pela de “prestador de serviço”.

Importa, nomeadamente, evitar equívocos como o que pode emergir do nº 3 proposto para o art. 10º: “Sem prejuízo do disposto no número anterior, o prestador de trabalho pode assegurar temporariamente a atividade através de terceiros em caso de nascimento, adoção ou assistência a filho ou neto, amamentação e aleitação, interrupção voluntária ou risco clínico durante a gravidez, pelo período de tempo das correspondentes licenças ou dispensas previstas no presente Código”.

A expressão “prestador de trabalho” ajusta-se, sobretudo, à figura do trabalhador subordinado – que, no entanto, deverá continuar privado da faculdade de auto-substituição consagrada neste preceito. No entanto, e no mínimo, a questão poderá colocar-se de iure condendo

Tudo isto, porém, se baseia em conjeturas: a proposta de lei continua mergulhada nas sombras de um processo legislativo que se desejaria mais transparente e participado.

António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler

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