Continua a revelar-se inevitável retornar a um tempo passado (que não assim tão longínquo) cujas sequelas continuam a emergir e produzir alterações no dia a dia de empregadores e trabalhadores. A pandemia COVID-19 ficará para sempre na história como um dos períodos negros da saúde pública internacional. Contudo, do ponto de vista laboral, foi precursora de um dos maiores pontos de viragem e transformação das relações laborais, do modo de organização e do funcionamento da vida das empresas e trabalhadores.
Desde soluções de horário flexível a local de trabalho flexível, emergiram (e reemergiram) outros conceitos, também eles flexíveis, no mundo laboral. É o caso de conceitos como “compensação flexível” e “benefícios flexíveis” ou mesmo novos conceitos como o de “salário emocional”?
Mas o que significam?
No fundo, todos eles acabam por traduzir uma mesma ideia: são formas de complemento à retribuição-base, disponibilizadas pelas empresas aos seus trabalhadores que visam permitir uma maior potenciação da sua retribuição, uma mais eficiente gestão económica, quer individual quer do seu agregado familiar e, consequentemente, comportam um mais elevado sentimento de bem-estar e realização, podendo não apenas consistir em benefícios de natureza pecuniária, mas também não pecuniária.
Como exemplos de benefícios flexíveis podemos encontrar benefícios pecuniários como vales de ginásio, despesas com educação, passe em transportes públicos, vales para aquisição de gadgets e equipamentos eletrónicos de trabalho, vales infância, seguros de saúde, formação profissional e até mesmo Planos Poupança Reforma, bem como alimentação e outros benefícios. Como exemplos de benefícios não pecuniários podemos encontrar horários flexíveis, teletrabalho ou regimes híbridos, dias de férias adicionais ou extensão da licença parental além dos limites legalmente estabelecidos.
Determinados benefícios pecuniários poderão estar incluídos do conceito de retribuição em dinheiro ou em espécie – artigos 258.º e ss. do Código do Trabalho – e outros não, o que terá, naturalmente, implicações do ponto de vista da sua tributação.
E como funcionam na prática?
Verdadeiramente a solução de atribuição de benefícios flexíveis tem ganho cada vez mais guarida e colhido o agrado junto de empregadores e trabalhadores, sendo vista como uma solução de Win-Win.
Por um lado, a atribuição destes benefícios, favorece os trabalhadores no que diz respeito ao seu rendimento líquido disponível, sendo que alguns dos benefícios existentes se encontram isentos de tributação em sede de IRS e de contribuições para a Segurança Social, aumentando o “bolo” final disponível. Por outro lado, beneficia os empregadores na medida das isenções no pagamento da TSU e da possibilidade de obtenção de majoração em sede de IRC.
No que diz respeito à escolha dos benefícios a atribuir, será aconselhável que as empresas façam um reconhecimento das prioridades dos seus trabalhadores, por forma a evitar custos com a atribuição de benefícios que acabam por não ser aproveitados, para o que deverão ter ainda em linha de conta o seu setor de atividade, pois que tais prioridades poderão variar em função deste. Isto, sendo certo que não existem limites para os montantes que a entidade empregadora pretenda alocar para a atribuição de benefícios, havendo total liberdade para que esta avalie a opção mais favorável do ponto de vista da sua gestão.
Contudo, existem aspetos da maior relevância a ter em consideração no momento de decidir quais os benefícios a atribuir e os montantes dos mesmos. Se a adoção deste tipo de prática empresarial inegavelmente é percebida com agrado, importa compreender que nem todos os benefícios se encontram isentos de tributação (ou pelo menos, em ambas as frentes – IRS e contribuições para a Segurança Social) e que, mesmo quando assim é, à exceção dos que se encontrem duplamente isentos, poderão existir limites legais ao valor sujeito a isenção.
Em sede de IRS e de contribuições para a Segurança Social simultaneamente, podemos dizer, em geral, que se encontram isentos do pagamento de imposto os benefícios de vale infância, pagamento de passes sociais, seguros de saúde para os trabalhadores e formação profissional (artigos 2.º-A, n.º 1, als. b), d), e) e c) do CIRS, respetivamente e 44.º e 46.º, a contrario sensu, do Código dos Regimes Contributivos). Contudo, se o trabalhador tiver gastos em montante superior ao que lhe é atribuído pela entidade empregadora para este tipo de despesas, o excedente já estará sujeito à normal tributação de rendimentos.
Em sede exclusivamente de Contribuições para a Segurança Social, encontram-se isentos de pagamento dos 11% benefícios como por exemplo, o pagamento de ginásios, algumas despesas médicas em nome próprio ou do agregado familiar e Planos Poupança Reforma (PPR). Isto significa que apesar de pagos a título de benefícios, os montantes aqui incluídos devem ser contabilizados para efeitos de rendimento tributável em sede de IRS.
Tomando como exemplo os vales infância supra referidos, estes não são considerados como rendimento proveniente de trabalho dependente (artigo 2.º-A do CIRS), desde que atribuídos nas condições previstas no DL n.º 26/99, de 28 de janeiro, de entre as quais encontramos a limitação a trabalhadores com filhos ou equiparados até 7 anos de idade, responsáveis pela sua educação e subsistência, a atribuição a título gratuito deste benefício e a insusceptibilidade de o mesmo substituir, ainda que parcialmente, a retribuição devida ao trabalhador (entre outras).Pelo lado do empregador, o montante pago por estes vales encontra-se isento de pagamento dos 23,75% de TSU e o seu custo é majorado em 40% para efeitos de apuramento do montante a pagar em sede de IRC.
Outro exemplo que julgamos ser de interesse é a disponibilização a título de benefício, pela entidade empregadora, da subscrição de Planos Poupança Reforma (PPR). É dada a possibilidade ao trabalhador de receber uma parte do seu vencimento aplicada nestes instrumentos financeiros. Esta possibilidade representa vantagens para ambas as partes, uma vez que quer empregador quer trabalhador ficam isentos do pagamento da TSU sobre esse montante. Por banda do trabalhador, este poderá, consoante a sua situação concreta, ver não só parte do seu rendimento isento de contribuição para a Segurança Social, como também ter benefícios em sede de IRS, já que os montantes aplicados no PPR são dedutíveis à coleta de IRS (artigo 21.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais) além do que os ganhos com estes produtos financeiros são sujeitos a uma taxa de tributação mais baixa. Contudo, importa notar que, caso o trabalhador resgate os montantes aplicados antes do tempo, será penalizado em termos fiscais, não apenas em sede de IRS, mas ficando os montantes ainda sujeitos a contribuições para a Segurança Social (artigo 46.º, n.º 2, al. x) do Código dos Regimes Contributivos).
Apesar disso, esta é uma solução que poderá convencer os mais céticos quanto às vantagens dos benefícios flexíveis, uma vez que se é certo que estes acarretam vantagens no imediato, também é certo que poderão influir negativamente no futuro dos trabalhadores que, sendo alvo de menor tributação, contribuem menos para a sua reforma e apoios sociais, por exemplo, em situação de doença.
Finalmente, importa referir que caso a entidade empregadora decida pagar subsídios de refeição e/ou ajudas de custo, através do montante de benefícios flexíveis, os limites legais à tributação destas rubricas mantêm-se, pelo que, ultrapassado esse limite, tais montantes estarão sujeitos a IRS e contribuições para Segurança Social.
Tudo visto, e com as ressalvas apresentadas, no geral atribuímos classificação positiva à solução dos benefícios flexíveis. Enquanto permitem às empresas possibilidades de poupança nos custos com regalias que muitas vezes eram oferecidas aos trabalhadores, sem que os mesmos deles fizessem uso, dão liberdade aos empregadores na determinação do montante disponibilizado a este título e permitem poupar no pagamento da TSU, ao mesmo tempo que possibilitam, em certos casos, benefícios em sede de IRC. A “cereja no topo do bolo” está na obtenção de retorno em trabalhadores mais motivados, com maiores índices de bem-estar e logrando um maior grau de comprometimento com a empresa. Já pelo lado dos trabalhadores, o seu rendimento disponível aumenta em face da redução da tributação e beneficiam de uma maior flexibilidade na sua gestão.
Julgamos que esta será uma realidade cada vez mais presente, embora no tecido empresarial português, maioritariamente composto por PME´s, seja ainda desafiante conseguir atribuir este tipo de benefícios aos seus trabalhadores. É essencial que no momento de apostar nesta alternativa, as empresas analisem as práticas no mercado em que se inserem e façam uma avaliação do regime de tributação aplicável.
Rui Rego Soares @ DCM | Littler