Em 2018, o Tribunal de Trabalho de Paris considerou a possibilidade de constituir caso de assédio moral, a situação em que um trabalhador viu o seu trabalho a ser cada vez mais reduzido e, as poucas tarefas que lhe eram atribuídas, não corresponderem às suas qualificações.
Este ano, no início de Junho, o Tribunal de Relação de Paris perfilhou essa mesma ideia, tendo ido até mais além ao reconhecer a síndrome de “boreout” como uma forma de assédio no local de trabalho. Ao contrário da síndrome de “burnout”, que ocorre em trabalhadores com um elevado nível de ansiedade e stress emocional devido ao excesso de trabalho, o “boreout” refere-se à fadiga intensa causada pela falta de trabalho. Esta, conduz a um desinteresse, insatisfação e frustração que, ao longo do tempo poderá resultar na deterioração grave da saúde do trabalhador.
Perguntará o leitor: de que forma não ter trabalho constitui assédio? Em Portugal o entendimento tem sido o seguinte: O trabalhador tem direito à ocupação efetiva. Esta, traduz-se num direito do trabalhador a trabalhar, isto é, tem de lhe ser dada a oportunidade de exercer a atividade para o qual foi contratado. Pese embora não haja uma regra que obrigue a entidade empregadora a dar uma efetiva ocupação aos trabalhadores (com ressalva dos casos em que os usos ou o próprio cerne do contrato assim o obrigue), a jurisprudência portuguesa tem enveredado por um caminho de aceitação dessa mesma ocupação como um direito de todos os trabalhadores, apoiando-se nos artigos 58º, n.º1 e 59º, n.º1, al c) da Constituição da República Portuguesa e no artigo 129º, n.º1, al b) do Código do Trabalho. A consagração do direito do trabalhador à ocupação efetiva baseia-se no objeto do contrato, na medida em que aquele, tendo em conta os seus elementos pessoais, foi contratado para a execução continuada de determinada atividade e não para a sua mera disponibilidade.
Por outro lado, o Contrato de Trabalho é pessoal (intuitu personae), havendo um relevo dos elementos específicos do trabalhador. O facto de este não ter oportunidade de colocar as suas aptidões em prática, não desempenhando a atividade para o qual foi contratado, poderá conduzir a graves danos do ponto de vista profissional profissionais e de saúde mental do trabalhador. Desta forma, a atitude de denegar trabalho, por parte do empregador, poderá ser suscetível de integração no escopo da previsão geral do assédio moral previsto no art.º 29 do Código do Trabalho.
Assim, o vínculo laboral vai além da mera prestação de atividade em troca da retribuição. Segundo o Tribunal Relação de Lisboa: “A violação do dever de ocupação efetiva tem natureza continuada, progressiva, (…) explicando-se tal afirmação pela índole jurídica multifacetada que o direito do trabalhador à sua ocupação efetiva no seio da estrutura organizada do empregador possui, dado enxertar-se não apenas na contrapartida contratual do salário que é devida ao empregador, mas também noutras realidades que se prendem com o ambiente e as condições gerais do trabalho, o relacionamento com os colegas, dirigentes e clientes, os direitos de realização e progressão profissional do trabalhador assim como com os seus direitos de personalidade (na vertente última da dignidade humana, ou seja, no respeito pela sua integridade moral e física) e com os normais reflexos que transporta para o exterior (agregado familiar, vida social, etc)”. (Ac. TRL de 15.09.2016 (José Eduardo Sapateiro), proc. nº 5/16.0T8BRR.L1-4)
Consequentemente, não se poderá encarar de ânimo leve uma situação de inatividade (injustificada) laboral, criada propositadamente pelo empregador. Contudo, a delimitação e aplicação deste novo conceito, deverá ser feita com cautela devido às consequências que podem embarcar na relação laboral e, principalmente, no fim da mesma. É crucial fazer uma examinação detalhada do nexo de causalidade entre o facto e dano – o “boreout” – sob pena de se suscitar, por exemplo, a existência de enriquecimento sem causa do trabalhador.
Catarina Venceslau de Oliveira | Joana Guimarães | DCM LAWYERS