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Calamidade e desconfinamento: o que mudou recentemente?

O plano de desconfinamento do Governo entrou em marcha com a publicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril, que declarava a situação de calamidade, no âmbito da pandemia provocada pela doença COVID-19, estabelecendo-se um conjunto de medidas de levantamento gradual das suspensões, interdições e encerramentos, levados a cabo no período do Estado de Emergência.

No passado dia 15 de maio, decorreu mais uma reunião do Conselho de Ministros, da qual resultou a última Resolução n.º 38/2020, de 17 de maio, prorrogando a declaração de calamidade, até às 23h59 do próximo dia 31 de maio.

Da cronologia apresentada pelo Governo, iniciou-se a 18 de maio, o terceiro período deste plano de regresso gradual da atividade económica ao seu normal funcionamento, em total atipicidade.

Mas o que mudou a partir de 18 de maio?

Estas são algumas das novas medidas apresentadas pelo Governo para a redução das limitações impostas:

  1. Alargamento do número de estabelecimentos comerciais em funcionamento;
  2. O setor da cultura também vai retomar a sua atividade, com novas regras de acesso a museus, monumentos, palácios e locais similares;
  3. Abertura dos parques de campismo com lotação máxima de 2/3;
  4. Reabertura de restaurantes e similares com restrição na lotação em 50%, tendo estes de observar o período máximo de funcionamento até as 23:00h, procurando a implementação de mecanismos de marcação prévia, a fim de evitar situações de espera;
  5. É permitida a ocupação ou o serviço em esplanadas, desde que respeitadas, as orientações da DGS para o setor da restauração;
  6. No caso da prestação de atividades em regime de teletrabalho, estabelece o diploma que sempre que a atividade se mostre incompatível com tal prática, devem ser criadas escalas de rotatividade de trabalhadores com horários diferenciados de entrada e saída, diminuindo o número situações de confluência de trabalhadores;
  7. Retoma das atividades em estabelecimentos de comércio a retalho e de prestação de serviços, com área até 400m2;
  8. Os estabelecimentos que retomem a sua atividade ao abrigo do referido diploma, deverão observar um período de funcionamento, com início a partir das 10:00h, exceto as seguintes atividades:
  9. a) Salões de cabeleireiro, barbeiro e instituições de beleza;
  10. b) Restaurantes e similares, cafetarias, casas de chá e afins.
  11. São permitidas as visitas a utentes de estruturas residenciais e unidades de cuidados intensivos, com restrições ao número de visitantes;
  12. Retoma das atividades letivas presenciais, para alunos do 11.º e 12.º anos, bem como do ensino da náutica de recreio;
  13. Abertura de creches, com opção de apoio à família.

Sem duvidar da bondade legislativa, esta nova fornada de medidas suscita consideráveis dúvidas, com a agravante que o próprio texto se revela omisso, deixando em aberto a solução para todas estas incertezas, umas mais conspícuas, outras porventura não tão evidentes, mas nem por isso menos problemáticas.

Vejamos.

Perante um pedido de “layoff” em curso, baseado na ordem de encerramento da atividade (art. 3 º, n.º 1, al. a), do Decreto Lei n.º 10-G/ 2020, de 26 de março), ou nos casos de suspensão da mesma (ditadas pelos Decretos n.º 2-A/ 2020; 2-B/ 2020 e 2-C/ 2020 que regulamentaram o estado de emergência), tal pedido cessa ou deverá ser modificado pelo empregador?

Mantendo-se as restrições para o sector da restauração, o que sucede se o empregador não tiver meios suficientes para reativar a equipa inteira? Poderá manter alguns trabalhadores em “layoff”? Aparentemente, basta “ativar” um único trabalhador ou o gerente (membro de órgão estatutário) segundo a DGERT (última consulta a 22.5.2020). Todavia, segundo os ensinamentos tradicionais, o gerente não presta a sua atividade ao abrigo de contrato de trabalho e, por isso, não lhe seria aplicável o regime da suspensão do contrato de trabalho ou do período normal de trabalho.

Mais: a escolha e a seleção dos trabalhadores que regressam ao trabalho deverá ser justificada? Quais são os critérios objetivos e não discriminatórios que devem estar em cima da mesa para a determinação dessa seleção (art. 299 º, n.º 1, al c), do CT)?

Com o fim do “teletrabalho à la Covid-19 (cfr. Decreto Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março) e a sua paulatina substituição por um regime de rotatividade e horários escalonados, surge a questão se esta nova imposição tem em atenção as particularidades no controlo da segurança e saúde dos trabalhadores cujo local de trabalho seja um gabinete individual ou um open space?

Será este novo regime de trabalho rotativo uma modalidade de trabalho por turnos nos termos dos arts. 220º a 222º do CT?

O quadro legal vigente concede uma tutela suficiente para a prevenção dos riscos de invasão da esfera privada e familiar no teletrabalho à la Covid-19 de forma a prevenir possíveis brechas na fronteira entre a vida pessoal e familiar? Estaremos verdadeiramente preparados para enfrentar os impactos psicossociais da alternância entre trabalho-família, nesta modalidade de trabalho no domicílio?

A interpretação-aplicação da legislação à la Covid-19, polvilhada por FAQ’s que se alteram à velocidade da luz, sem apelo, nem agravo, assim como pela – até certo ponto, natural, compreensível e expectável – incapacidade de resposta da Segurança Social a um dilúvio, de proporções bíblicas, de pedidos de apoio deixam as empresas e os trabalhadores – mas também os Juslaboralistas – quase à beira de um esgotamento. Esperemos que este stress normativo permita, com o devido tempo, construir novas soluções para o novo futuro que se aproxima a passos largos.

David Carvalho Martins | Gonçalo Asper Caro | DCM LAWYERS