No passado dia 26 de setembro de 2024, o Tribunal da Relação de Évora (TRE) pronunciou-se sobre a licitude da utilização de imagens captadas pelo sistema de videovigilância de uma empresa, no âmbito de um procedimento disciplinar que resultou no despedimento com justa causa. Em concreto, o sistema de videovigilância captou imagens da trabalhadora a furtar produtos no local de trabalho.
A Impugnação Judicial do Despedimento
A decisão de Primeira Instância considerou inválida a prova audiovisual, alegando que não foi demonstrado o cumprimento dos requisitos legais para a instalação do sistema de videovigilância. Contudo, o TRE revogou a sentença, sustentando que, com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), deixou de ser necessária a autorização ou notificação à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) para a instalação de câmaras de segurança no local de trabalho.
Tal decisão tem por base o princípio da responsabilidade, previsto no artigo 5.º, n.º 2, do RGPD, segundo o qual cabe ao responsável pelo tratamento de dados — neste caso, o empregador — garantir o cumprimento dos princípios fundamentais de licitude, lealdade e transparência na recolha e uso dos dados.
Neste sentido, entendeu o Tribunal que se considera tacitamente revogada a exigência de autorização da CNPD para a instalação de videovigilância laboral, estabelecida no Código do Trabalho, passando o empregador a deter uma competência mais ampla na instalação e tratamento destes sistemas. Surge, porém, uma questão essencial: até que ponto essa autonomia não compromete os direitos dos trabalhadores?
Aquele que Tudo Vê, ou Não Será Bem Assim?
A referência bibliográfica serve de mote para que possamos indagar sobre a amplitude das competências da entidade empregadora, nomeadamente quando confrontadas com a esfera de privacidade dos trabalhadores. De facto, o artigo 20.º, n.º 2, do Código do Trabalho admite a utilização de meios de vigilância para a proteção de pessoas e bens. Este fundamento, que visa salvaguardar o interesse patrimonial da entidade empregadora, legitima, a priori, o recurso a câmaras para prevenir atos lesivos praticados por terceiros ou pelos próprios trabalhadores. Todavia, ao transferir para o empregador a responsabilidade de assegurar o cumprimento dos princípios do RGPD, coloca-se a dúvida sobre se a autorregulação é suficiente para proteger os trabalhadores contra um eventual uso excessivo ou desproporcionado da videovigilância.
Além disso, a decisão do TRE reconheceu a validade das imagens obtidas como prova no âmbito de procedimento disciplinar que levou a despedimento com justa causa, sem que o empregador tivesse de aguardar pela conclusão de um processo penal. Este entendimento confere à entidade patronal uma maior celeridade na resposta disciplinar, essencial num contexto em que o artigo 329.º, n.º 2, do Código do Trabalho impõe um prazo estrito de 60 dias para o início do procedimento disciplinar, sob pena de caducidade.
Assim, se por um lado, o uso das gravações se revelou um instrumento eficaz para comprovar a violação do dever de lealdade por parte da trabalhadora e para justificar o despedimento com justa causa, por outro lado, esta decisão não é isenta de controvérsia, suscitando questões importantes para o futuro das relações laborais:
- Será que esta flexibilização do uso da videovigilância garante a proteção da esfera privadas dos trabalhadores?
- Quais os limites num contexto de monitorização contínua e sem intervenção de uma entidade reguladora?
- E até que ponto essa prática poderá conduzir à criação de uma cultura de desconfiança no local de trabalho?
Estas são questões que deverão ser acompanhadas ao longo do tempo. Ficaremos atentos.
Rui Rego Soares | João Silva Ribeiro @ DCM | Littler