No passado dia 20.05.2024, a jurisprudência volta a pronunciar-se sobre a contratação de trabalhadores de empresa concorrente como uma possível situação de concorrência desleal, desta vez através do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (mj.pt)
Em causa, uma cedência de trabalhadores, no âmbito de um contrato de subempreitada celebrado a 25.08.2014, e, posteriormente, uma “solicitação” para a continuação da prestação dos mesmos serviços na Irlanda, através da cedência dos mesmos trabalhadores. Em fevereiro de 2019, um dos trabalhadores comunica a sua intenção de cessar o seu contrato de trabalho, ato que se consumou a junho de 2019. Volvidos cinco dias assinou contrato com a empresa a quem havia sido cedido.
A 19 de julho de 2019, outro dos trabalhadores cedidos fez cessar o seu contrato de trabalho, ainda que tivesse assinado um pacto de não concorrência. Por sua vez, também começou a trabalhar para a empresa a quem havia sido cedido a 04.01.2021. Mais ainda, outro dos trabalhadores cedidos assinou contrato com a nova empresa a 06.01.2020.
Geralmente, em razão da experiência e competência do trabalhador que se desvincula da sua empresa de origem, o expectável é que a subsequente vinculação a outra empresa aconteça frequentemente dentro do mesmo setor de atividade. Este tipo de acontecimento não consubstancia, em si mesmo, qualquer tipo de ilicitude, desde logo da parte do trabalhador, salvo existindo um pacto de não concorrência, nos limites admitidos pelo Código do Trabalho (CT).
Desde logo, a nossa Constituição promove “a igualdade de oportunidades na escola de profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado” (artigo 58º, nº2, alínea c)), assim como, no âmbito da política comercial, promove a “concorrência salutar dos agentes mercantis” (artigo 99º, alínea a).
Por outro lado, o Código da Propriedade Industrial (CPI) proíbe atos desleais (artigo 311º, nº 1), desde logo, “o aliciamento de trabalhadores, desde que essa subtração seja feita com intenção de desorganizar ou desagregar a empresa concorrente (animus nocendi) (…) é óbvio que não será concorrência desleal contratar trabalhadores de terceiros. O que será desleal é contratar não com o fim normal de renovação e melhoria de quadros da empresa contratante, mas com o fim desleal de prejudicar seriamente a empresa concorrente” (Cfr. Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Almedina, 2024, pág.425).
Num caso semelhante ao nosso objeto de análise, também se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (dgsi.pt), “se dois trabalhadores da sociedade autora puseram fim aos respetivos contratos de trabalho, após o que foram trabalhar para sociedade concorrente, não pode aquela limitar a atividade concorrencial diferencial dos seus ex-trabalhadores na ausência de pacto de não concorrência. (…) Tais ex-trabalhadores não incorrem em concorrência desleal se, embora angariando clientes que eram da autora e levando-os a vincular-se à sua nova empregadora (mesmo que constituída e gerida por familiares seus), não se mostra que tal tenha ocorrido antes da extinção do vínculo laboral, nem que para tanto tenham usado meios desleais, designadamente enganando os clientes ou usando informação reservada da autora ou cujo acesso não lhes tivesse sido facultado para o exercício comum da sua prestação laboral anterior.”
Também citado no Acórdão em análise, refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (dgsi.pt) que se “o recrutamento venha a processar-se através do desvio (v.g. por insistente aliciamento, incitamento ou assédio) de trabalhadores de concorrente, sendo, portanto, concretizado por meios ou expedientes de todo contrários (logo ilícitos) aos usos honestos, então é o ato de concorrência suscetível de se caracterizado como sendo desleal”, mas apenas “verificados todos os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual”.
In casu, não tendo sido provado que o desvio de trabalhadores tenha sido um plano destinado a afetar e prejudicar a capacidade concorrencial da recorrente, cai por terra, igualmente, a alegada ou pressuposta ilicitude do ato, assim como a causalidade, e, consequentemente, o dano que poderia resultar da execução do plano.
Seria a interpretação do Tribunal diferente caso ficasse provado que foi o coordenador dos trabalhadores (ou algum outro “trabalhador-chave”) a ser contratado pela nova empresa, causando desequilíbrios e desorganização na antiga empresa? Será este um ato de agressão à unidade económica das empresas empregadoras?
Num outro raciocínio: a incitação a que os trabalhadores denunciem os contratos de trabalho, incumpram pactos de não concorrência, pactos de permanência, ou os seus respetivos pré-avisos de denúncia (alargados ou não) pode também consubstanciar algum cenário de concorrência desleal? “Plantar a semente” de que a atual empresa empregadora não vai cumprir com o pagamento de salários, ou de que os seus recursos humanos são “tóxicos”, ou mesmo de que possuem políticas laborais abusivas pode, à semelhança, consubstanciar um cenário de concorrência desleal?
Estas são apenas algumas questões. Estaremos atentos a futuros desenvolvimentos.
João Ribeiro, Estagiário de Verão @ DCM | Littler