O tempo de trabalho é um tema que gera frequentemente debate, não só nas instâncias nacionais, mas também em entidades internacionais. As razões fundamentais para tal residem não só na sua essencialidade enquanto elemento estruturante da atividade económica, mas também porque, a par disso, se suscitam questões sobre uma problemática de extrema relevância actual: a garantia da saúde e segurança dos trabalhadores.
Na senda do que aqui expomos, reveste especial destaque, por se debruçar sobre este tema, o decidido no Acordão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 17 de março de 2021.
Procurando contextualizar o enquadramento fáctico, apraz-nos referir que em causa estaria a Academia de Studii Economice din București (ASE) (Universidade de Estudos Económicos de Bucareste, Roménia) que teria beneficiado de um financiamento europeu, não reembolsável, concedido pelas autoridades romenas, para a execução de um programa operacional setorial para o desenvolvimento dos recursos humanos. Este organismo declarou a existência de um crédito orçamental no montante de 13 490,42 lei romenos (RON) (cerca de 2 800 euros) a cargo da ASE, relativo a despesas salariais para os trabalhadores da equipa de execução do projeto.
Sendo que, os montantes correspondentes a essas despesas não foram considerados elegíveis uma vez que o número máximo de horas que esses trabalhadores podem trabalhar diariamente tinha sido excedido. Parece, no entanto, que no período de outubro de 2012 a janeiro 2013, peritos contratados pela ASE ao abrigo de uma pluralidade de contratos de trabalho tinham, em determinados dias, acumulado as horas trabalhadas no âmbito do horário de base, isto é, oito horas por dia, com as horas trabalhadas no âmbito do projeto, bem como no âmbito de outros projetos ou atividades e desse modo o número total de horas trabalhadas por dia por esses peritos excedeu o limite diário de treze horas, previsto por instruções da autoridade de gestão do projeto.
Assim, a questão colocada foi: celebrando um trabalhador vários contratos de trabalho com uma mesma entidade empregadora o período mínimo de descanso diário previsto no artigo 3. ° da Diretiva 2003/88 aplica-se a esses contratos considerados em conjunto ou a cada um dos referidos contratos considerado separadamente?
Em face do exposto, entendeu o Tribunal que é não possível cumprir a exigência prevista na Diretiva 2003/88 relativa ao tempo de trabalho que consagra que o trabalhador beneficia diariamente de pelo menos onze horas de descanso consecutivas, no caso de esses períodos de descanso serem examinados separadamente para cada contrato que vincula esse trabalhador à sua entidade empregadora.
Assim, atendendo ao critério binário previsto na Diretiva 2003/88 que estabelece que será tempo de trabalho o que não for tempo de descanso e vice versa, o Tribunal explica que as horas consideradas períodos de descanso no âmbito de um contrato são, in casu, suscetíveis de constituir tempo de trabalho no âmbito de outro contrato na medida em que, para efeitos da Diretiva um mesmo período não pode ser qualificado simultaneamente de tempo de trabalho e de período de descanso. Por conseguinte, entendeu que os contratos de trabalho celebrados por um trabalhador com a sua entidade empregadora deviam ser examinados conjuntamente.
Salienta ainda o Tribunal que este também é o entendimento mais conforme com a teleologia da Diretiva que visa estabelecer exigências mínimas destinadas a promover a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores.
Ou seja, o Tribunal de Justiça considerou que, quando um trabalhador celebrou vários contratos de trabalho com uma mesma entidade empregadora, o período mínimo de descanso diário se aplica a esses contratos considerados em conjunto e não a cada um dos referidos contratos considerado separadamente.
Aqui chegados, há que relembrar que as questões relacionadas com o tempo de trabalho não podem ser dissociadas dos elementos que o ordenam e que, portanto, reconhecendo os problemas relativos ao pluriemprego e à necessidade de adoção de um critério normativo que contabilize o tempo de trabalho “por pessoa” por contraposição a um critério com base no vínculo se revela, aqui, uma vez mais ,emergente uma atendibilidade às regras de saúde dos trabalhadores.
Inês Cruz Delgado| DCM Lawyers