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Cláusula contratual: Retribuição líquida ou ilíquida?

Na formação dos contratos de trabalho temos como uma das informações obrigatórias a prestar, pelo empregador ao trabalhador, o valor e a periodicidade da retribuição, art. 106.º, n.º 3, al. h) do CT. Tanto assim é que, a omissão dessa informação constitui contraordenação grave, de acordo com o art. 106.º, n.º 5 do CT. 

O Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão proferido no passado dia 8 de setembro de 2021, declarou a nulidade de uma cláusula de um contrato de trabalho que estabelecia um valor remuneratório líquido como contrapartida da prestação de trabalho. 

Não obstante no contrato de trabalho se haver acordado uma remuneração líquida, nos recibos de vencimento figurava um montante ilíquido que, após os descontos obrigatórios (v.g. contribuições para a Segurança Social) retidos pelo empregador, o valor recebido a final pelo trabalhador correspondia ao valor líquido estipulado no contrato de trabalho. A declaração de nulidade com base nos artigos 25.º e 26.º do Decreto-Lei n.º 375/74, de 20 de agosto e artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 824/76, de 13 de novembro (que se encontra, na presente data, revogado), por violação de disposição legal imperativa, nos termos do artigo 294.º do Código Civil, foi também acolhida num outro acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20.12.212. 

No entanto, a declaração de nulidade afetou apenas a referida cláusula contratual, não sendo todo o contrato de trabalho nulo, de acordo com o artigo 121, n.º 1 e n.º 2 do CT. 

Não raras vezes se escutam frases como “o que importa é o que recebo na conta bancária”, pelo que em muitas ocasiões a determinação da retribuição passa por esse exercício nas negociações para celebração de contrato de trabalho. No entanto, não pode figurar no contrato de trabalho, como valor a pagar pela prestação de trabalho, o valor que se “recebe na conta bancária”. Sobretudo porque os regimes fiscais aplicáveis têm influência direta no valor final a apurar, com o respetivo custo que configura para os empregadores. Aqui um exemplo dado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, torna a anterior afirmação impressiva: “se um empregador pagava 1.000 euros líquidos a um trabalhador e se o pagamento dessa quantia líquida gerava impostos e encargos de 250 euros que deveriam ser pagos pelo trabalhador mas que eram suportados pelo empregador, o regime imperativo supra aludido impunha que a remuneração ilíquida devida ao trabalhador passasse a ser de 1.250 euros, passando o trabalhador a pagar os 250 euros de impostos e encargos devidos, acabando por receber os mesmos 1.000 euros líquidos que recebia quanto era o empregador a pagar aqueles impostos e encargos.”. 

Sendo igualmente gritante na situação particular das contribuições para a Segurança Social, para trabalhadores por conta de outrem, onde: 

Ora, com uma retribuição líquida convencionada, na verdade o custo global incide totalmente sobre o empregador. Pois, não se aplica sobre o valor a pagar ao trabalhador, mas antes sobre um valor que após os respetivos descontos corresponda ao valor que foi estipulado. Mesmo do ponto de vista do trabalhador, se porventura beneficiar de estatutos fiscais especiais, pode de facto vir a ser prejudicado do ponto de vista do valor ilíquido sobre o qual incide a tributação, com a insegurança jurídica que acarreta ou podendo mesmo em certas situações contender com o princípio da irredutibilidade da retribuição (cfr. art. 129.º, n.º 1, al. d) do CT). 

A retribuição como contrapartida da prestação de trabalho é um tema periódico e de indiscutível importância, nunca despiciendo nas relações de trabalho. Manter-nos-emos atentos. 

Ana Amaro @ DCM | Littler

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