Volvidos pouco mais de 5 anos do Ac. do TRL de 15.12.2016 (Paula Santos), proc. 4305/15.8 T8SNT.L1-4, podemos continuar a (já longa) discussão a propósito dos meios de vigilância humana, atingindo o núcleo “duro”, a saber: se existe ou não um espaço de privacidade do trabalhador, no tempo e local de trabalho, inatingível e inalcançável.
Os clientes mistério, enquanto agentes ou atores-avaliadores, configuram clientes qualificados que agem enquanto clientes normais. No entanto, o seu testemunho é apto a provar os ilícitos disciplinares dado que avaliam a prestação do trabalhador e, sobretudo, se estes praticam atos ilícitos (no limite, atos com relevância jurídico penal). O referido Acórdão, efetivamente, considerou lícita a prova produzida por estes agentes e permitiu o exercício da justa causa para efetivar o despedimento: “[p]rovando-se que o trabalhador, barman, não registou consumos de clientes e – apropriou-se dos quantitativos pagos relativamente aos consumos não registados, ocorre justa causa para o seu despedimento”.
A verdade é que os clientes ditos normais não são contratados pelo empregador para procederem com uma avaliação ou reporte, i.e., não configuram um serviço contratado para produzir prova (e não convocam especiais dúvidas sobre essa admissibilidade probatória). Também se poderá dizer que o almejado “efeito surpresa”, sobre o momento e identidade dos sujeitos poderá convocar dúvidas de maior sobre a transparência no local de trabalho: deverá o local de trabalho configurar uma fonte de ameaças à personalidade do trabalhador? Qual será o limite para o escrutínio?
Ainda que o cliente não se apresente enquanto agente provocador ou instigador dos ilícitos, não será este um meio enganoso, por proceder com uma “avaliação nas sombras”?
Não obstante, um cliente normal poderá reportar diretamente ao empregador ou indiretamente às chefias a avaliação que fez diante do serviço prestado, ou reportar falhas, irregularidades ou demais ilícitos mais gravosos. Mais não seja através dos meios tecnológicos hoje possibilitados pela cultura de apps, mormente a crítica ou review online, cujo acesso é facilitado ao público em geral.
Mais se poderá apontar que os clientes mistério se misturam por entre os demais clientes, atuando publicamente: observando e ouvindo tudo o que os demais conseguem observar e ouvir. Por consequência é-nos imposta a reflexão – em idênticos cenários – sobre a admissibilidade da prova testemunhal produzida por um colega de trabalho ou superior hierárquico do trabalhador que assiste e/ou escuta determinados factos no normal exercício das suas funções e seguidamente o reporta.
Um estudo atempado é verdadeiramente imperativo. O exercício dos poderes de fiscalização e controlo, efetuados com recurso aos meios de vigilância (humana) à distância configuram sempre um debate profícuo no âmbito do contrato de trabalho.
Este vínculo é, pois, um campo fértil de vulneração da personalidade humana. Consideração esta que tem sido frequentemente apontada na vasta literatura jurídica sobre o tema.
Para mais desenvolvimentos, v. Tiago Sequeira Mousinho, O cliente ou fornecedor mistério e o direito do empregador a conhecer da avaliação do seu serviço e atividade profissional, Prontuário de Direito do Trabalho, Lisboa, N.º 1, 2020, p.369-388
Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler