A metamorfose do mundo moderno e as relações pessoais, profissionais e sociais que se têm vindo a desenhar fazem surgir uma panóplia de novidades e serviços em diversas áreas como é exemplo a hodierna mentoria e o coaching pessoal.
Foi essa a temática sobre a qual se debruçou o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 12.01.2023 sobre a celebração de um contrato de Mentoria & Coaching no qual uma empresa se comprometia a criar vida de sucesso e abundância plena, bem como a identificar, remover e transformar os bloqueios pessoais e de estado de alma, criando abastança e sucesso para toda a vida.
Tendo por base que nesta relação uma das partes se obriga a proporcionar a outra ou a cliente desta, um certo conjunto de objetivos e metas, poderá um contrato nestes termos ser considerado um contrato de trabalho, no qual o trabalhador se compromete a diligenciar os seus esforços para alcançar determinado objetivo? Ou, ao invés, um contrato de prestação de serviços no qual se pretende alcançar um determinado resultado final?
Dissecando a noção de contrato de trabalho incita no art. 1152.º, do Código Civil (CC), temos que contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa. Partindo desta noção, poderemos classificar a mentoria e o coaching como atividades intelectuais, passiveis de serem consideradas atividades laborais?
Debruçando-nos sobre a lei laboral, ainda que o Código do Trabalho (CT), no seu art. 11.º, faça menção genérica a atividade, a verdade é que, à semelhança dos restantes contratos, o de trabalho acompanha idênticas regras, devendo obedecer ao disposto no art. 280.º, n.º 1, do CC, quanto à determinabilidade do seu objeto, ou seja, a atividade e prestação laboral, devendo esta ser uma atividade determinada ou possivelmente determinável.
O que é a alma, juridicamente? O que é proporcionar e ter uma vida de sucesso ou abundância plena? Conforme resulta da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães, estes conceitos não têm concretização jurídica e a sua eventual concretização humana depende das crenças, do esoterismo e das idiossincrasias de cada individuo. Conforme conclui o Tribunal, a vaguidade e a difícil concretizaçãodos conceitos que o sustentam, tornam este tipo de contratos nulos por indeterminabilidade do seu objeto.
Em qualquer relação, maxime, numa relação de trabalho, o trabalhador tem de ter a possibilidade exercer as funções correspondentes à categoria profissional que detém, o que desde logo evidencia dificuldades na categorização e no desempenho de atividades com o elevado grau de exoterismo, abrangência e vaguidade que as caracterizam, o que poderá colocar os trabalhadores numa situação mais desnivelada na relação assimétrica que é, de per se, a relação de trabalho.
Do ponto de vista dos deveres de informação a cargo das partes (art. 106.º, do CT), surgem-nos, desde logo, algumas questões do ponto de vista dos que impendem sobre a entidade empregadora, quanto à informação sobre a descrição sumária das funções do trabalhador (al. c), do referido artigo), garantindo-se ao trabalhador um certo grau de certeza e determinabilidade de quais as funções para as quais foi contratado e que irá desempenha, deveres esses que saíram mais reforçados com as exigências da agenda do trabalho digno no que tange aos deveres ativos de informação das partes na relação de trabalho.
Como salienta a decisão, os contratos são formas de livre manifestação da vontade das partes contraentes, todavia, essa liberdade não é absoluta, sofrendo restrições quanto à sua possibilidade legal ou até mesmo do ponto de vista da equidade e justeza para com as partes.
Gonçalo Asper Caro @ DCM | Littler