O regime jurídico da comissão de serviço encontra-se atualmente regulado nos artigos 161.º a 164.º do Código do Trabalho (CT). Trata-se de uma modalidade de contrato de trabalho destinada ao exercício de atividades que encerram um elevado grau de responsabilidade no seio de uma organização e, inerentemente, atividades que implicam uma especial relação de confiança entre as partes na relação laboral.
Com efeito, e desde logo, o artigo 161.º do CT determina que tipo de funções poderão ser desempenhadas sob o regime da comissão de serviço, nomeadamente, “cargo de administração ou equivalente, de direção ou chefia diretamente dependente da administração ou de diretor-geral ou equivalente” e ainda “funções de secretariado pessoal de titular de qualquer desses cargos”, sem esquecer a possibilidade de previsão por IRCT de outras funções que possam caber no âmbito de um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, conquanto a natureza das mesmas, à semelhança das funções de secretariado referidas, pressuponha essa tal especial relação de confiança com os titulares dos cargos e funções de chefia que visa auxiliar.
Não sendo o intuito aqui almejado discorrer sobre a integralidade do regime que regula o contrato de comissão de serviço, importa ainda relembrar que a lei, embora não lhe atribuindo tal designação (adotada antes pela doutrina e jurisprudência nacionais) prevê duas modalidades de contrato de comissão de serviço no n.º 1 do artigo 162.º do CT, respetivamente, a comissão de serviço interna e a comissão de serviço externa.
A primeira pressupõe a prévia existência de um vínculo laboral entre as partes outorgantes, sendo muitas vezes utilizada para promover o trabalhador a cargos de direção ou chefia, enquanto a segunda se trata de uma contratação ab initio de um trabalhador para desempenhar as suas funções, desde logo, ao abrigo deste tipo de contrato.
De qualquer modo, considerando a especial relação de confiança ínsita às funções que um trabalhador em regime de comissão de serviço desempenha, o legislador entendeu conceder às partes a prerrogativa de acordarem na fixação de um período experimental. E isto, independentemente de se tratar de comissão de serviço interna ou de comissão de serviço externa, sendo ainda que tal fixação, nos termos do disposto no artigo 112.º, n.º 3 do CT terá obrigatoriamente de constar expressamente do contrato (que deve ser reduzido a escrito, conforme estipulação do artigo 162.º, n.º 3 do CT), podendo as partes fixar a duração do período experimental até ao limite de 180 dias.
Outro aspeto do regime da comissão de serviço que importará nesta sede referir é o facto de este tipo de contratos poder ser celebrado por tempo determinado ou indeterminado, dependendo da sua duração o prazo de aviso prévio legalmente exigido para que qualquer uma das partes proceda à sua denúncia, sem que se veja constituída na obrigação de indemnizar a contraparte (artigo 163.º, n.ºs 1 e 2 do CT).
E precisamente quanto ao regime da cessação do contrato que se consagra uma solução “privativa da comissão de serviço” (cit. Pedro Furtado Martins, in “Aplicação do regime geral da cessação do contrato de trabalho ao contrato em comissão de serviço”, disponível aqui) que permite a qualquer uma das partes (numa opção dissonante do regime geral da cessação do contrato de trabalho), pôr termo à relação contratual sem que para tal tenha de invocar e fundamentar a existência de justa causa para o efeito, e sem que se constitua na esfera jurídica da contraparte o direito ao recebimento de qualquer indemnização (com a devida ressalva para a compensação devida pela cessação do contrato de comissão de serviço externa, calculada nos termos do artigo 366.º do CT).
Poder-se-ia equacionar um paralelismo com a ideia ínsita à faculdade de denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental, também conferida às partes na relação laboral, inscrevendo-se na justificação desta solução particular, as mesmas motivações legislativas. Contudo, e como bem atenta (novamente e na mesma sede) o Autor supra citado, a denúncia durante o período experimental “trata-se de uma forma de desvinculação que se diferencia da denúncia própria da comissão de serviço, uma vez que tem como motivação implícita o insucesso da experiência. Aliás, também na comissão de serviço se admite a denúncia associada ao período de prova, a que se soma, como figura distinta e que serve outros interesses, a denúncia imotivada do vínculo consolidado” (destacado nosso).
A reflexão que aqui se procura fazer, resulta, precisamente, de uma possibilidade decorrente da convivência destes dois distintos regimes de denúncia do contrato de trabalho, simultaneamente aplicáveis ao contrato em regime de comissão de serviço, sendo certo que, e conforme atenta o Autor citado, apenas se poderá considerar a aplicação do regime da denúncia imotivada própria da comissão de serviço, uma vez decorrida a totalidade do período experimental.
Mas então, poder-se-á conjeturar a possibilidade de celebração de um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço cuja duração total se encontra a coberto do período experimental?
Por exemplo, poder-se-á fixar uma duração para o contrato equivalente a seis meses (180 dias) e, em simultâneo, acordarem as partes na fixação de um período experimental, para o mesmo contrato, precisamente de 180 dias?
Bom, conforme é regra própria do Direito privado, e decorrência do princípio basilar da autonomia privada, às partes é permitido tudo quanto não seja proibido por lei. De facto, nada na lei parece impedir a fixação de um acordo como o que aqui se conjeturou (por muito remota que possa ser a possibilidade de, pelo menos por banda do trabalhador, tal acordo ser aceite). E considerando a prevalência do período experimental sobre o regime da cessação próprio da comissão de serviço, o resultado seria o da possibilidade de fazer cessar o contrato mediante denúncia sem aviso prévio até, pelo menos, o momento em que o período experimental durasse há 60 dias, pois que a partir desse momento a denúncia deve respeitar um aviso prévio de 7 dias (cfr. artigo 114.º, n.º 2 do CT).
Mas mesmo tendo o período experimental duração superior a 60 dias e enquanto não atingisse os 120 dias (altura em que o aviso prévio se iguala ao exigido para a denúncia do contrato de comissão de serviço de duração até 2 anos), sempre o aviso-prévio para a denúncia do contrato de trabalho será inferior ao exigido pelo regime de denúncia próprio da comissão de serviço.
Tal como o cenário apresentado, outros se poderiam formular. Por exemplo, nada impede as partes de outorgarem um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço de duração inferior a 180 dias (suponha-se, 3 meses) e fixar um período experimental de duração equivalente à duração do contrato. Em tal caso, e considerando que a duração do contrato é de 90 dias, prevalecendo o regime legal fixado para a denúncia durante o período experimental, o regime da denúncia próprio da comissão de serviço não chegaria, sequer, a ver a luz do dia, bastando, em bom rigor, até aos 60 dias de duração de contrato denunciar sem aviso-prévio e, a partir dos 60 dias, apresentar a denúncia com um aviso-prévio de 7 dias.
Por fim, e no limite, poderemos contemplar a hipótese de existência de um contrato de comissão de serviço que, na verdade, constitui um verdadeiro “contrato experimental”, se pensarmos na possibilidade de celebração de um contrato de comissão de serviço com duração determinada de 2 meses, e fixação de um período experimental de 60 dias. Neste caso, durante toda a vida do contrato de trabalho, o regime de denúncia aplicável seria o regime da livre denunciabilidade do contrato de trabalho ao abrigo do período experimental e não o regime da denúncia previsto para a comissão de serviço.
Terá o legislador português, cujas soluções historicamente visam proteger a posição contratual do trabalhador, entendido este como parte mais débil da relação laboral, contemplado a possibilidade de existirem contratos cuja fragilidade do vínculo perdura por todo o seu período de duração?
Rui Rego Soares @ DCM | Littler