A globalização e a disseminação de novas tecnologias de comunicação têm um impacto importante nas relações de trabalho, também acentuado pela pandemia do Covid-19. As novas circunstâncias representam um desafio para os ordenamentos jurídicos que são chamados a moldarem-se à realidade, com o objetivo de se manterem eficazes. Um dos aspetos que merece atenção diz respeito à tributação dos rendimentos dos trabalhadores que prestam atividade em regime de teletrabalho transfronteiriço. Antes de 2009, não havia regulamentação do teletrabalho em Portugal, dado que a importância do fenómeno era residual. Em 2024, a realidade é totalmente diferente e é também muito mais premente a necessidade de colmatar a insuficiência legislativa. No contexto desse objetivo, o Comité Económico e Social Europeu veio pronunciar-se sobre a questão.
De acordo com um estudo, que foi realizado pela Eurofund intitulado “The Rise in Telework: impact on working conditions and regulations” cerca de 22 % da mão de obra da UE realiza alguma forma de teletrabalho, um contraste impactante da realidade apresentada pelo mesmo estudo em 2008 que estimava que apenas 8% dos trabalhadores trabalhavam a partir de casa “por vezes” ou “habitualmente”. Esse acréscimo, apesar de ter sido impulsionado pela pandemia, perpetuou-se devido a sua eficiência, quer para o trabalhador, que pode melhor balancear a sua vida profissional e pessoal, assim como a sua gestão de tempo, quer para o empregador que vê potenciais reduções nos custos de operação do estabelecimento e pode dar maior contributo a práticas ambientais.
A partir dessa nova realidade, países e organizações internacionais tem tentado encontrar formas de adequadamente tributar os rendimentos destes teletrabalhadores transfronteiriços, de maneira a que existam princípios gerais aceites e que não se permita um tratamento discriminatório entre países, levando em consideração também que o modo de tributação não é necessariamente homogéneo. O princípio em vigor é o de que o rendimento é tributado no país onde o trabalho é realizado. Contudo, a questão suscitada diz respeito à justa distribuição destes rendimentos uma vez que o país de residência pode ser prejudicado pela perda destas receitas. Um exemplo disso é o acordo bilateral entre França e Suíça, no qual se estabeleceu que para este regime de teletrabalho ter impacto tributário deve incidir em pelo menos 40% do trabalho total realizado, e mesmo assim continuaria a ser tributado no local de prestação da atividade laboral, sendo posteriormente as receitas divididas entre os países conexos à relação laboral (3,5% do total das receitas arrecadadas por trabalhadores transfronteiriços seria repassada para o país de residência).
Frente a isso, a resposta da UE sobre a melhor solução de tributação do rendimento de teletrabalhadores transfronteiriços foi dada pelo CESE (Comité Económico Social Europeu), no parecer C/2024/2479, que contou com 202 votos a favor. Neste documento, o Comité apreciou que a solução preferível era tributar os rendimentos dos trabalhos por conta de outrem como rendimentos salariais no país de residência do empregador. O Parecer consigna ainda a importância de ponderar um mecanismo de repartição de receitas oriundas desta tributação para compensar a perda de rendimentos no país de residência do trabalhador. No entanto, o mesmo parecer atenta ao facto de que novas tecnologias como as plataformas digitais de trabalho, não podem desempenhar a função de empregador, sendo que nesses casos, é a localização da pessoa que realiza o trabalho que importa para determinar os rendimentos tributáveis.
Como vimos, o regime de trabalho à distância tem vantagens ao nível da eficiência para ambos os lados da relação laboral. Estima-se que com os anos, os “nómadas digitais” tenderão a aumentar. Assim sendo, a questão de como deve ser feita a tributação do trabalho por estes realizado revela-se crucial e muitos Estados Membros da UE tem adotado regras oriundas da convenção da OCDE e ONU sobre a tributação de sociedades e do trabalho. No respetivo art.15º, o parecer C/2024/2479 indica como solução ideal para celebração de acordos bilaterais e multilaterais. Com isso, podemos afirmar que a posição da União Europeia recentemente conhecida aponta no sentido de que este artigo deve ser mobilizado para solução destes conflitos de jurisdição aplicável a esta crescente forma de trabalho.
Diana Santos e Pedro Severo, estudantes de 4.º ano do curso de licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Trabalho realizado no âmbito do programa lawyers at work da ELSA Coimbra @ DCM | Littler (escritório de Coimbra)