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“Compliance”: Quais as consequências da não conformidade empresarial?

By 9 Outubro, 2023No Comments

Em 2015, veio ao conhecimento público que uma empresa no setor automobilístico estaria a incumprir com os critérios normativos a níveis ambientais, através da comercialização em Itália de veículos automóveis dotados de sistemas destinados a alterar a medição das emissões poluentes, que estaria a ser muito superior ao permitido legalmente, violando os deveres impostos pela Diretiva 2005/29/CE.

Posto isto, veio em 2016, a Autoridade Italiana da Concorrência (AGCM) aplicar a duas empresas do grupo (empresa A e empresa B) uma sanção pecuniária de 5 milhões de euros referentes à comercialização de veículos com sistema destinado à adulteração dos resultados referentes às emissões poluentes, bem como à divulgação de mensagens publicitárias que sublinhavam a conformidade dos veículos com os parâmetros ambientais regulados.

Em 2018, por sua vez, o Ministério Público de Braunschweig notificou à empresa B uma decisão na qual lhe aplicava, ao abrigo da Lei Geral das Contraordenações, uma sanção de 1000 milhões de euros, que dizia respeito aos mesmos factos anteriormente punidos pela AGCM.

Perante isto, em 2022 deu entrada, junto do Tribunal de Justiça, um pedido de decisão prejudicial apresentado pelas empresas A e B, no âmbito de um processo entre estas e a AGCM, a propósito da decisão desta autoridade de aplicar a essas sociedades as coimas referidas.

 

O pedido de decisão prejudicial assenta em três principais questões, cujas conclusões aferidas pelo Tribunal de Justiça se afiguram relevantes:

  1. O Tribunal veio considerar, segundo uma interpretação à luz do artigo 50. º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que a sanção administrativa deve constituir sanção penal quando prossiga uma finalidade repressiva e revista um grau de severidade elevado.
  2. O princípio non bis in idem consagrado no artigo 50.º da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma coima de natureza penal imposta a uma pessoa coletiva, se esta tiver sido objeto de uma condenação penal pelos mesmos factos noutro Estado-Membro, ainda que essa condenação seja posterior à data da decisão que aplica essa coima.
  3. O artigo 52. °, n. ° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que autoriza a restrição da aplicação do princípio ne bis in idem, de modo a permitir um cúmulo de processos ou de sanções pelos mesmos factos, desde que as condições previstas no artigo 52.°, n. ° 1, da Carta, conforme especificadas pela jurisprudência referida na decisão prejudicial, sejam cumpridas: (i) esse cúmulo não represente um encargo excessivo para a pessoa em causa, (ii) que existam regras claras e precisas que permitam prever que atos e omissões podem ser objeto de cúmulo e (iii) que os processos em causa tenham sido conduzidos de modo suficientemente coordenado e aproximado no tempo.

 

Com esta decisão prejudicial, o TJUE estabeleceu um importante marco no quadro legal para a aplicação de sanções às empresas, em casos de violação dos critérios legalmente estabelecidos.

Da análise da decisão, destacamos a importância dada à conformidade das empresas com as normas e regulamentos vigentes, bem como o agravamento e possibilidade de cumulação de sanções, que vêm, mais uma vez, revelar a importância da sujeição das empresas a normas de compliance organizacional devidamente estabelecidas.

 

Filipa Bilé Grilo @ DCM | Littler