No dia 22.4.2020, por acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, foi decida a questão remetida a título prejudicial a 19 de setembro de 2019 pelo Watford Employment Tribunal (United Kingdom), no caso C-692/19. O pedido prejudicial dizia respeito à interpretação das disposições da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, quanto ao conceito de trabalhador (entre nós transposta pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho artigo 2.º al. s), lei que regulamentava a Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto que aprovou o Código do Trabalho, hoje no artigo 2.º al. n) da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.).
O pedido prejudicial foi apresentado no âmbito de um processo no Tribunal de Trabalho de Watford (Reino Unido) entre B e Yodel Delivery Network Ltd (doravante Yodel), relativa à qualificação de B enquanto trabalhador ou trabalhador independente, na relação de prestação de serviços com a Yodel. O caso em apreço era o seguinte: B é estafeta, entrega encomendas, e exerce a sua atividade exclusivamente para a Yodel. Para iniciar a prestação de atividade necessitou de formação específica, por forma a poder utilizar o dispositivo de entrega manual fornecido pela Yodel. O contrato celebrado com a Yodel identifica B como trabalhador independente, embora este alegue ser trabalhador para efeitos da Diretiva 2003/88. B utiliza o seu veículo e telemóvel para entregar as encomendas. As entregas podem ser efetuadas pessoalmente ou poderá B designar um subcontratante, que o substitua na entrega. Quanto ao horário de trabalho, é escolhido por B, na medida em que recebe as encomendas em sua casa entre segunda-feira e sábado, devendo ser estas entregues entre as 7:30 e as 21:00, e pode decidir livremente a hora de entrega e o itinerário, desde que compreendida no período anteriormente referido. Há uma exceção quando se trata de entregas com tempo fixo, a hora de entrega está determinada. A remuneração é fixada perante uma taxa que varia em função do local de entrega de cada encomenda. O Tribunal de Trabalho de Watford entende que, nos termos da legislação nacional, tal como aplicada pelos tribunais do Reino Unido, o estatuto e termo “trabalhador” pressupõe que este se comprometa a fazer ou a executar pessoalmente qualquer trabalho ou serviço, sendo incompatível com a possibilidade de subcontratar as tarefas que lhe são confiadas. E, por ser possível prestar serviços a outras empresas, mesmo que concorrentes diretos da Yodel, deve ser qualificado, em conformidade com a legislação do Reino Unido, como trabalhador independente. Levantando a dúvida quanto à compatibilidade das disposições da lei nacional, tal como interpretadas pelos tribunais do Reino Unido, com a legislação da União Europeia, em particular a Diretiva 2003/88/CE.
O Tribunal faz notar que a Diretiva 2003/88/CE não define o conceito de trabalhador. No entanto, já se pronunciou sobre este conceito. A este propósito refere decisões anteriores, a título de exemplo (i) processo C-428/09 de 14 de outubro de 2010, Union Syndicale Solidaires Isère; e (ii) processo C-316/13 de 26 de março de 2015, Fenoll. Mais referindo que competirá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, à luz da jurisprudência que é referida no acórdão, se um trabalhador identificado como trabalhador independente, pode ser qualificado como trabalhador para efeitos dessa jurisprudência, tendo em conta o caso concreto do processo.
Assim, decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia (Oitava Secção) que a Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, deve ser interpretada no sentido em que se opõe a que uma pessoa contratada pela sua suposta entidade empregadora, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços que prevê a sua qualidade de trabalhador independente, seja qualificado como trabalhador, se esse “trabalhador” beneficiar de um poder discricionário aferido através dos seguintes critérios: (i) recorrer a subcontratantes ou substitutos para executar o serviço que se comprometeu a prestar; (ii) aceitar ou não as várias tarefas distribuídas pelo suposto empregador, ou unilateralmente fixar o número máximo dessas tarefas; (iii) prestar serviços a qualquer terceiro, incluindo concorrentes diretos do suposto empregador; e (iv) para fixar o seu próprio horário de trabalho dentro de certos parâmetros e adaptá-lo, segundo critérios de conveniência pessoal, e não apenas segundo interesses do empregador putativo. Se todos estes pontos se verificarem, entendeu o Tribunal que, a independência do trabalhador não parece ser fictícia e não será possível estabelecer a existência de uma relação de subordinação entre o “trabalhador” e o suposto empregador. Contudo, refere ainda o Tribunal que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta todos os fatores pertinentes relativos ao trabalhador tido como independente e à atividade económica exercida, qualificar como trabalhador ou trabalhador independente ao abrigo da Diretiva 2003/88/CE.
Poderão estes critérios ser usados para qualificação como trabalhador ao abrigo de outras Diretivas? Estará aberto caminho para a patente necessidade de rever o conceito de trabalhador, face às novas formas de trabalho? Talvez sim.
Catarina Venceslau de Oliveira | Ana Amaro | DCM LAWYERS