Comecemos este artigo por lamentar ainda a necessidade análise de acórdãos motivados por legislação, no mínimo, duvidosa ainda que bastante agradados com os progressos verificados.
Ora, o presente caso em análise (C-356/21) diz respeito a um pedido de decisão prejudicial apresentado ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267.º TFUE, pelo Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia, quanto à interpretação dos artigos 3.º, n.º 1, alíneas a) e c) e 17.º da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000 que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional.
Acontece que, entre 2010 e 2017, o demandante celebrou diversos contratos de prestação de serviços consecutivos e de curta duração com a TP, uma empresa que explora um canal de televisão pública. Embora tenha recebido feedback positivo por parte da empresa, após a publicitação no Youtube de um vídeo natalício para promoção da tolerância relativo a casais do mesmo sexo, dia 6 de dezembro de 2017 o demandante recebeu uma notificação pelo seu correio eletrónico informando-o da não renovação do seu contrato que teria sido como início de produção de efeitos dia 7 do mesmo mês.
Após intentar ação no Tribunal de Primeira Instância da Varsóvia, pedindo o pagamento de uma indemnização pelos dano não patrimoniais violados resultantes da violação do princípio da igualdade de tratamento através de uma discriminação direta em razão da orientação sexual, contrapôs a demandada sustentando que o artigo 5.º, n.º 3 da Lei relativa à Transposição de Certas Disposições do Direito da União Europeia em matéria de Igualdade de Tratamento nada prevê quando a escolha do contraente se baseie na orientação sexual do contratado.
No reenvio prejudicial, foi questionado:
i) Se a atividade independente do demandante pode ser qualificada de «trabalho independente», na aceção desse artigo 3.º, n.º 1, alínea a) e c) e, por isso, incluída na proteção conferida pela Diretiva;
ii) Se o artigo 5.º suprarreferido deve ser interpretado no sentido de incluir também uma proteção contra as discriminações baseadas no critério da orientação sexual, por se afigurar uma manifesta restrição das condições de acesso ao trabalho independente.
Quanto à primeira questão, inicia o douto Tribunal explicando que, se o artigo 3.º engloba os conceitos de “emprego”, “trabalho independente” e “atividade profissional”, entende-se que o legislador europeu não quis, de modo algum, restringir o seu âmbito pessoal apenas aos trabalhadores.
Por outro lado, também procede a uma interpretação teleológica do alínea c). Ainda que a mesma diga respeito, de forma expressa, às condições de emprego e de trabalho, resulta de uma interpretação teleológica do artigo 3.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2000/78 que o conceito de «condições de emprego e de trabalho» que aí figura visa, em sentido amplo, as condições aplicáveis a qualquer forma de atividade por conta de outrem e independente, qualquer que seja a forma jurídica sob a qual esta é exercida.
Versando a análise para a segunda questão, o Tribunal refere que a interpretação que deve ser feita ao artigo 2.º, n.º 5 da Diretiva deve ser estrita. I.e., ainda que nada obste à aplicação de medidas previstas na lei nacional necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros, a verdade é que o efeito útil da Diretiva deve ser sempre prosseguido.
Assim, e ainda que de forma disfarçada o artigo da lei polaca pareça prosseguir de forma eficaz a discriminação, a não inclusão do fator “orientação sexual”: i) não pode ser considerado como um fator utilizado para garantir a liberdade contratual numa sociedade democrática; ii) nem tão pouco garante o efeito útil da Diretiva uma vez que exclui um dos direitos inerentes, a nosso ver, ao estado democrático em pleno século XXI.
Assim, e de forma feliz, o artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e c) passa a ser interpretado no sentido em que se opõe à legislação nacional que tem por efeito, a título de livre escolha do contratante, excluir da proteção contra a discriminação a orientação sexual de uma pessoa, a não celebração de um contrato com um trabalhador independente.
É como (quase) se diz: um pequeno passo para o trabalhador independente, mas um grande passo para o mundo laboral.
Maria Beatriz Silva @ DCM | Littler