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Contactar o trabalhador durante as férias: uma mensagem inocente ou uma violação do direito à desconexão?

By 12 Agosto, 2024No Comments

No atual contexto laboral, a evolução tecnológica e as mudanças na organização do trabalho têm suscitado novas questões jurídicas, designadamente no que respeita aos direitos dos trabalhadores em períodos de descanso. Entre essas questões, destaca-se a prática de contactar o trabalhador durante as férias.

O direito ao descanso e o direito à desconexão são frequentemente discutidos como elementos fundamentais para o bem-estar do trabalhador. O direito ao descanso, consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP) e no Código do Trabalho (CT), assegura ao trabalhador período de repouso para recuperação física e mental. A CRP, no seu artigo 59.º, n.º 1, alínea d), garante aos trabalhadores o direito ao repouso, aos lazeres e a férias periódicas pagas.

Neste sentido, encontra-se previsto no artigo 237.º do CT, o direito às férias, estabelecendo que estas devem ser exercidas, de modo a proporcionar ao trabalhador a devida recuperação física e psicológica. Além disso, reforça a importância de garantir aos trabalhadores condições adequadas de disponibilidade pessoal e integração na vida familiar. Ou seja, o objetivo é assegurar que as férias não sejam apenas um período de descanso, mas também a oportunidade de o trabalhador reestabelecer o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, promovendo o seu bem-estar geral.

Por outro lado, o direito à desconexão, surgiu da necessidade de proteger os trabalhadores das invasões constantes ao seu tempo livre, facilitadas pelas novas tecnologias. Em Portugal, este direito foi especificamente abordado na Lei n.º 83/2021, de 6 de dezembro, que adicionou o artigo 199.º-A ao CT. Este artigo estabelece que o empregador se deve abster de contactar o trabalhador durante o período de descanso, salvo em situações de força maior.

Assim, o artigo 199.º-A do CT representa uma evolução significativa na proteção dos direitos dos trabalhadores. Este artigo não se limita apenas ao regime de teletrabalho, aplicando-se a todas as formas de trabalho, e estabelece claramente que o empregador se deve abster de contactar o trabalhador durante os seus períodos de descanso, nomeadamente, as férias. Esta norma visa assegurar que o trabalhador possa usufruir de um período de descanso efetivo, livre de pressões laborais.

A aplicação prática do direito à desconexão tem sido objeto de debate. Quando entrou em vigor o artigo referente ao dever de abstenção de contacto, saiu uma nota interpretativa da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), em que considerou que o envio de um e-mail ao trabalhador durante o seu período de descanso não constituía uma violação do dever de abstenção, desde que não solicitasse uma resposta ou ação imediata. No entanto, esta interpretação foi alvo de controvérsia, pois o simples ato de contactar o trabalhador pode ser entendido como uma intrusão ao seu tempo de descanso, e criar, desta forma, pressão psicológica, para que este regresse ao trabalho.

Contactar o trabalhador durante as férias pode parecer uma ação inofensiva, mas pode facilmente constituir uma violação ao dever de abstenção de contacto do empregador, comprometendo o direito do trabalhador à desconexão, pelo que o empregador só deve fazê-lo em último caso. A legislação portuguesa, ao consagrar o dever de abstenção de contacto, procura exatamente proteger o trabalhador, garantindo que este possa usufruir de períodos de descanso efetivos, sem interrupções. No entanto, a interpretação e aplicação deste direito ainda está em evolução, necessitando de um debate contínuo para assegurar a sua eficácia na prática.

A questão permanece em aberto: poderá uma simples mensagem durante o período de férias, ser considerada uma violação do direito à desconexão? A resposta a esta pergunta pode depender da jurisprudência, assim como do contexto e da interpretação jurídica, mas o objetivo deve ser sempre a proteção e bem-estar do trabalhador.

Carolina Fernandes | Estagiária de Verão @DCM | Littler