A 20 de fevereiro de 2024, veio o Tribunal de Justiça da União Europeia, doravante TJUE, pronunciar-se acerca de uma matéria que se afigura muito relevante: a decisão de cessação de contrato de trabalho a termo certo por parte do empregador e a necessidade da mesma ser acompanhada de motivo justificativo, tal como acontece em contratos de trabalho por tempo indeterminado.
O caso em apreço opõe um trabalhador e a sua entidade empregadora e passou-se à luz da lei polaca. Ora, estes teriam celebrado um contrato de trabalho a termo certo em 2019, com termo em julho de 2022. No entanto, o empregador, em julho de 2020 notifica o trabalhador da cessação do seu contrato de trabalho, produzindo efeitos em agosto do mesmo ano, sem apresentar justificação para tal.
Desta forma, o trabalhador intenta ação contra a entidade empregadora, argumentando que terá sido alvo de despedimento ilícito, uma vez que, entre outras razões, a falta de apresentação de justificação para cessar o contrato se traduz numa violação do princípio da não-discriminação intrínseco à lei da União Europeia e à lei polaca, uma vez que esta obrigação está prevista para eventuais cessações de contratos de trabalho a tempo indeterminado.
Posto isto, vem o órgão jurisdicional polaco submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
1) Devem o artigo 1.º da Diretiva 1999/70 e os artigos 4.º e 1.º do acordo-quadro, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de direito nacional que prevê que o empregador tem obrigação de indicar a justificação apenas para contratos a tempo indeterminado, não estando prevista a mesma obrigação no que diz respeito a contratos a termo?
2) Podem o artigo 4.º do acordo-quadro e o princípio geral de direito da União relativos à proibição da discriminação ser invocados num litígio em que ambas as partes são particulares, tendo, por conseguinte, esta regulamentação efeito horizontal?
Quanto à primeira questão, vem o Tribunal concluir que os artigos referidos “devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional segundo a qual um empregador não está obrigado a fundamentar por escrito a rescisão com pré-aviso de um contrato a termo, apesar de estar vinculado a essa obrigação em caso de contrato de trabalho por tempo indeterminado”. Para sustentar esta decisão, os principais argumentos e linha de pensamento do TJUE foram os seguintes:
- O acordo-quadro é aplicável a todos os trabalhadores no âmbito de uma relação laboral a termo que os vincula ao seu empregador.
- A proibição de tratamento menos favorável dos trabalhadores contratados a termo em relação aos demais, contratados por tempo indeterminado, diz respeito às condições de emprego dos trabalhadores
- A legislação em causa no processo principal está abrangida pelo conceito de condições de emprego dos trabalhadores, designadamente a proteção concedida a um trabalhador em caso de despedimento ilícito, bem como à determinação do prazo de pré-aviso aplicável e à indemnização atribuída ao trabalhador devido à rescisão do contrato de trabalho.
- Um dos principais objetivos do acordo-quadro é melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo e garantir a aplicação do princípio da não discriminação.
- Este artigo deve ser entendido como expressão de um princípio fundamental do direito da União, que não pode ser interpretado de modo restritivo.
- Numa situação como a que está em causa, o trabalhador vê-se privado de uma informação importante para apreciar o carácter injustificado do despedimento e ponderar a eventual instauração de um processo em tribunal, o que se traduz numa diferença de tratamento entre as duas categorias de trabalhadores.
- Um contrato a termo deixa de produzir efeitos para o futuro no prazo nele previsto, pelo que, o fim da relação laboral aquando do término do prazo não requer uma justificação específica, uma vez que consegue ser antecipado pelo trabalhador. O problema ocorre quando estamos perante a rescisão antecipada do contrato, por iniciativa do trabalhador, sem justificação.
- O TJUE considera que existe assim uma perturbação na evolução normal da relação laboral, com caracter imprevisto, que pode afetar um trabalhador contratado a termo na mesma medida em que a rescisão de um contrato por tempo indeterminado pode afetar esse trabalhador.
- Admitir que a mera natureza temporária de uma relação de emprego é razão suficiente para justificar uma diferença de tratamento entre trabalhadores esvaziaria de conteúdo os objetivos da Diretiva 1999/70 e do acordo-quadro.
- Apesar de um dos objetivos dos contratos a termo ser o fator favorável para o empregador de contratar para necessidades especificas e garantir, assim, uma maior flexibilidade, o TJUE conclui que uma comunicação ao trabalhador do motivo justificativo da rescisão do seu contrato de trabalho não altera, de forma alguma, essa flexibilidade.
Quanto à segunda questão, o Tribunal de Justiça conclui no sentido de que o órgão jurisdicional nacional está obrigado a assegurar a proteção jurisdicional que decorre do artigo 47.º da CDFUE, no que respeita ao direito a um recurso efetivo, compreendendo o acesso à justiça, e a garantir a plena eficácia do mesmo, pelo que não deverá aplicar qualquer disposição nacional contrária.
Esta decisão do TJUE vem conferir uma maior proteção aos trabalhadores com contrato de trabalho a termo. Mas questionamos: será esta decisão importante para conferir cada vez mais importância a matérias de não discriminação? Será esta decisão muito exigente para o empregador? Terá aberto um precedente perigoso para o mesmo?
Ficam as questões.
Filipa Bilé Grilo @ DCM | Littler