Com o crescente sucesso do plano organizativo referente à vacinação da população portuguesa, que atingiu recentemente a faixa etária dos 20 (maiores de 23 anos), as empresas colocam-se diante de uma questão difícil e pertinente: a de saber se podem ou não incentivar os trabalhadores a serem vacinados (?).
A questão não é inocente; concorrem, para este efeito, dúvidas sobre a privacidade dos trabalhadores, a “influência” que o estímulo do empregador poderá provocar na esfera dos mesmos trabalhadores e o facto de a vacina, em Portugal, ser (pelo menos ainda) de cariz voluntário. Em primeiro lugar, significa, portanto que, à partida, os factos respeitantes à vida íntima, familiar e privada não devem dizer respeito à esfera profissional, a menos que objetiva e fundamentadamente se possam encontrar razões suficientes para que seja possível a interconexão de ambas as esferas do trabalhador.
Em segundo, devemos partir para um ponto de análise mais detalhado, a saber se o empregador, ao incentivar ou estimular a vacinação dos trabalhadores não estará, verdadeiramente, a impor um comportamento por forma “camuflada”, influenciando a vida privada do trabalhador (um novo sentido de coercibilidade?). Notícias oriundas do território alemão alertam para estes comportamentos que deixaram de ser “manifestação de um poder de direção” em sentido puro, para um “incentivo” (o empregador ditar o que é aceitável e que deve ser recompensado) [sobre este tema, v. Erst Klimastreik, dann Pegida-Demo?]. É o que sucedeu em certos temas, por nós já abordados, a propósito da relevância laboral sobre causas sociais. No limite, existirá algum indício de discriminação quando o empregador pretende beneficiar quem procurou ser vacinado?
Por fim, a saber se o cariz voluntário da vacina tem ou não um papel determinante para o debate. Visto que o legislador português não procurou impor esta vacinação e que o empregador não deve suplantar o papel interventivo do legislador, existirá algum problema quando o empregador incentiva, v.g., cria um benefício pecuniário para que os trabalhadores se sintam atraídos a proceder com a vacinação?
A argumentação não pode ser “one sided”, visto que outros valores devem ser colhidos aquando da ponderação.
Não será de se estranhar que sejam invocados argumentos a propósito da defesa da saúde pública. Mais do que um direito à saúde pública da Comunidade, um dever de saúde pública: algo que os empregadores estariam a cumprir (social ou juridicamente) ao incentivar a atos que, ab initio, promulgam a segurança e a proteção de todos, da comunidade de trabalho e da vida social, entre todos nós.
Também se poderá dizer que o empregador tem o dever “proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral” (art. 127.º/1, al. c) do CT) e que a motivação ou incentivo à vacinação poderá ser entendido – aqui, apropriamos-mos das palavras de outrem – como uma intervenção do empregador enquanto manifestação de “efeitos antagónicos” (cfr. S. Hernberg, Assessing the health impact of total exposure at and off work: Methodological problems in occupational epidemiology, Health Surveillance of Individual Workers Exposed to Chemical Agents, Springer-Verlag, 1988, p. 125) diante do vírus pandémico, como condução à maior proteção do ambiente e local de trabalho, beneficiando a comunidade da organização e os demais que estejam funcionalmente conexos (terceiros).
Trata-se, verdadeiramente, de um problema sensível.
Note-se, contudo, que o tema em apreço convoca outras questões igualmente pertinentes. À partida (e por enquanto) o empregador não pode obrigar nem requerer a vacinação dos trabalhadores, mas poderá o mesmo empregador simplesmente perguntar quem se vacinou, finda a respetiva fase de vacinação? Admitindo que é possível implementar incentivos pecuniários à vacinação, no trabalho, o que dizer dos trabalhadores que, em exemplo, não podem tomar a vacina em razão de saúde? A National Law Review veio recentemente alertar, no âmbito dos programas de incentivo à vacinação no trabalho, para a não discriminação de trabalhadores incapacitados, em especial a não discriminação em função da informação genética. Bastará, neste caso, uma compensação? Mais, poderá o empregador exigir o comprovativo de vacinação com o objetivo de proceder ao pagamento do incentivo?
Será certamente um tema a acompanhar. Para já, podemos adiantar a certeza de que este tipo de problemas acarretará, necessariamente, o redobrar de cuidados em matéria de sigilo e proteção da informação, dado que estarão sempre em causa direitos fundamentais e de personalidade com respeito à proteção de dados pessoais de trabalhadores.
Tiago Sequeira Mousinho | DCM Lawyers