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Dão licença para mais uma medida de discriminação positiva?

Numa tentativa de dar mais um passo na luta pelos direitos das mulheres, especialmente no seu local de trabalho, Espanha passou a ser o primeiro país a aprovar e colocar em vigor a possibilidade de se recorrer a uma licença menstrual, destinada a todas as mulheres que sofram de dores menstruais graves e incapacitantes, tornando-as incapazes de exercer a sua prestação laboral durante esse período.

Esta medida comporta a possibilidade de conceder uma licença durante um máximo de três dias por ciclo menstrual, não sendo estes dias descontados nas suas recompensas salariais, mas sim pagos pela Segurança Social.

Mas a pergunta permanece: Será isto viável?

São inegáveis os vários dados estatísticos que demonstram as dificuldades inerentes à existência de diversas patologias que agravam as dores menstruais.

A Biblioteca Nacional de Medicina aponta para que 10 em 100 mulheres experienciam dores tão severas que não são capazes de concretizar as atividades normais do dia-a-dia. Se considerarmos que 30 a 50% das jovens mulheres acabam por se ausentar do local de trabalho pelo menos 1 vez por mês, durante o ciclo menstrual, não nos é estranho pensar que os níveis de eficiência decrescem profundamente durante a menstruação. E, neste sentido, a existência de uma licença durante o ciclo menstrual não afetaria a produtividade da respetiva empresa.

Contudo, não podemos denotar que outras questões se colocam relativamente à possibilidade de implementação desta licença.

Muitas das preocupações que resultam da implementação da licença surgem a nível ético quase numa ideia de “aproveitamento” desta condição especial. Contudo, não podemos concordar com esta teoria. Tal como sabemos, já se poderiam levantar esses problemas com outras razões para requerer uma baixa médica e, consequentemente, uma falta justificada. E, uma vez mais, não é por isso que deixam de ser passadas baixas médicas.

Na mesma linha de pensamento, a baixa médica apenas resolveria parte da questão, uma vez que o subsídio de doença atualmente existente apenas é atribuído ao 4º dia de incapacidade para o trabalho, pelo que as trabalhadoras estariam a perder retribuição por uma causa que lhes é natural.

Por outro lado, e embora a possibilidade de aprovar uma licença menstrual seja adequada, não podemos admitir que esta seria a única possibilidade de determinada pessoa poder faltar, sem ser prejudicada monetariamente, ao trabalho devido a dores menstruais. Até porque, como já a ginecologista Mariana Torres referiu publicamente, “não devemos normalizar o que não é normal”, porque dores menstruais incapacitantes estão muitas vezes associadas a patologias previamente diagnosticadas.

Em alternativa a esta licença, poder-se-ia considerar a possibilidade de se recorrer ao regime do trabalhador com deficiência ou doença crónica, presente nos artigos 84.º ss. do Código do Trabalho, passando a introduzir a endometriose, miomas ou dismenorreia como doenças crónicas que afetam a prestação do trabalho.

Ainda que aquelas patologias não fossem consideradas, poderiam existir incentivos económicos que levariam as empresas a adotar no seu código de conduta ou política interna a possibilidade de haver flexibilidade de horário na altura do ciclo menstrual.

Como tudo, a aprovação e aplicação prática de uma licença menstrual para as pessoas com útero traz prós e contras.

Assim, do lado a favor, a possibilidade de surgir uma discussão pública sobre um assunto que antes era considerado um “tabu”. Capacitamo-nos disto com a proposta de aditamento ao Orçamento de Estado de 2022, apresentada pelo Livre, no qual se requereu um estudo sobre o impacto da menstruação no trabalho e na qualidade de vida em Portugal, cujo objetivo principal é conhecer e combater a incidência das doenças associadas à menstruação e os seus sintomas, a pobreza menstrual e o grau de literacia da população sobre este tema.

Outro ponto a favor será a própria cultura organizacional das empresas que adotem estas medidas, no sentido em que estariam a valorizar as suas trabalhadoras, tornando a empresa mais flexível e melhorando a sua reputação aos olhos de todos.

Contra esta medida deparamo-nos com vários argumentos.

Nos países onde isto já fora aplicado, como é o caso do Japão, observamos que a licença menstrual já existe desde 1947 e que menos de 10% das mulheres usufruem da mesma.

Tanto se invoca a igualdade de tratamento como referimos que poder-se-ia estar a fomentar a desigualdade, já existente, da mulher perante o homem – no local de trabalho, mas também na própria fase pré-contratual e até mesmo no início do recrutamento.

Embora esta licença menstrual não traga mais encargos para os empregadores, não deixa de ser uma discriminação à priori aquando da candidatura para determinado cargo. Isto é, não podemos deixar de denotar que a partir do momento em que não igualamos os direitos dos homens e das mulheres no local de trabalho, a desigualdade persistirá.

Outro argumento referido é a possível redução da atividade da empresa pois, este absentismo de trabalhadoras poderá contribuir para a demora no crescimento da empresa.

Por isso, até novas propostas e até uma nova discussão no erário público – tanto política como médica -, permanecerão dúvidas acerca da prossecução desta medida no ordenamento jurídico português.

Marta Coelho Valente, Maria Beatriz Silva | DCM Littler

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