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Dedicação Plena no SNS, Período Normal de trabalho e trabalho suplementar

By 13 Novembro, 2023No Comments

Conforme é consabido, um longo caminho de negociações perdura há já 18 meses, entre as entidades representativas dos trabalhadores médicos (Federação Nacional dos Médicos – FNAM – e o Sindicato Independente dos Médicos – SIM) e o Ministério da Saúde, sem que haja ainda materialmente acordo entre as partes.

Contudo, no pretérito dia 7 de novembro de 2023 foi publicado em Diário da República o DL n.º 103/2023, de 7 de novembro, o qual aprovou regime jurídico de dedicação plena no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar, e que deverá produzir os seus efeitos a partir de 1 de janeiro de 2024, sem fim à vista.

Quer o segundo quer o primeiro ponto comportam determinadas medidas que, tendo vindo a ser objeto das longas negociações entre as partes em negociação coletiva, pelo seu conteúdo material, detêm relevância do ponto de vista jus-laboral.

Vejamos:

No que concerne ao regime da dedicação plena dos trabalhadores médicos (e demais profissionais de saúde), o DL n.º 103/2023, de 7 de novembro abrange, independentemente do vínculo que os une ao SNS: (i) os profissionais de saúde (não apenas trabalhadores médicos) afetos à área dos cuidados de saúde primários que integrem as Unidades de Saúde Familiar (USF – vulgo, Centros de Saúde), (ii) na área hospitalar: a) os profissionais de saúde que integrem os Centros de Responsabilidade Integrados (CRI – estruturas de gestão intermédia, dependentes dos conselhos de administração dos hospitais EPE – entidades públicas empresariais) e b) os trabalhadores médicos designados, em regime de comissão de serviço, para o exercício de funções de direção de serviço ou de departamento dos estabelecimentos e serviços de saúde do SNS, (iii) na área da saúde pública, os trabalhadores médicos, e ainda (iv) todos os trabalhadores médicos das áreas de cuidados de saúde primários e hospital que manifestem, individualmente, ter interesse em aderir a este regime.

Dedicação plena: exclusividade?

Os trabalhadores que sejam abrangidos ou que decidam livremente aderir ao regime da dedicação plena, passam a ser abrangidos, de igual modo, pelo regime de incompatibilidades e impedimentos constante dos artigos 19.º e ss. da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o que significa que, em regra, estarão sujeitos a um regime de exclusividade.  Os trabalhadores médicos, não poderão exercer funções de direção técnica, coordenação e chefia na área da saúde no setor privado ou social, convencionadas ou não com o SNS, e (e aqui prevê-se uma especificidade em relação ao regime da LGTFP) a acumulação de atividade assistencial, subordinada ou autónoma nessas entidades fica sujeita à apresentação de requerimento ao órgão máximo de gestão do estabelecimento de serviço de saúde, sendo certo que dessa conciliação nunca poderá resultar prejuízo para a satisfação das necessidades nos serviços do SNS.

Ficam ainda de fora das situações de incompatibilidade e impedimento os consultórios de profissionais individuais.

Mas a final o que está em causa? O que muda para estes trabalhadores?

Incidiremos, em especial, sobre as seguintes medidas relativas a alguns dos aspetos mais debatidos em negociação entre as partes quanto aos trabalhadores médicos nos serviços de urgência, sem prejuízo de o Diploma legal conter medidas respeitantes a outras funções, unidades de saúde, e profissionais:

I) Na área hospitalar, do ponto de vista do horário de trabalho e período normal de trabalho dos trabalhadores médicos:

  • estes passam a ter como base um período normal de trabalho semanal de 35 horas, acrescidas de um complemento de 5 horas de atividade assistencial, perfazendo, assim, um total de 40 horas semanais. Ainda, sem prejuízo do trabalho prestado em serviços de urgência, os trabalhadores médicos passaram a ter um período normal de trabalho diário, cujo limite ascende às 9 horas.

II) Ainda na área hospital, os trabalhadores médicos que realizam serviço de urgência, passam a, cumulativamente, estar sujeitos a:

  • 18 horas de trabalho semanal normal nos serviços de urgência, externa e interna, unidades de cuidados intensivos e de cuidados intermédios – estas 18 horas devem ser prestadas em duas jornadas de duração não superior a 12 horas (e.g., duas jornas de trabalho de 9 horas);
  • Sempre que necessário, prestação de 6 horas de trabalho suplementar em serviço de urgência, externa e interna, em unidades de cuidados intensivos e de cuidados intermédios – sendo que, (i) quando seja necessário ao funcionamento do serviço de urgência, tal trabalho suplementar não se encontra sujeito aos limites máximos do trabalho suplementar, (ii) no geral, o trabalhador médico passa a ter como limite de período semanal de trabalho as 48 horas semanais (incluindo o trabalho suplementar), em termos médios, por referência a um período de seis meses, e as 250 horas de trabalho suplementar anual;
  • Não atribuição/concessão de descanso compensatório que reduza o período normal de trabalho semanal, sem prejuízo do descanso diário obrigatório entre jornadas de trabalho.
  • Prestar trabalho em estabelecimento ou serviço de saúde distinto daquele a cujo mapa de pessoal o trabalhador médico pertence, num raio de 30 km, inclusive, para assegurar o funcionamento da rede de urgências metropolitanas e quando seja necessária a gestão integrada dos serviços de urgência de dois ou mais serviços e estabelecimentos de saúde.

Pode ainda ocorrer que, por conveniência do serviço e com o acordo do trabalhador médico, as supramencionadas 18 horas de trabalho semanal normal e 6 horas de trabalho suplementar, sejam convertidas em, respetivamente 36 horas e 12 horas em regime de prevenção (on-call work).

Concluindo, diremos apenas que não deixa de causar alguma estranheza, da leitura do preâmbulo do DL, a ausência de menção mais direta e expressa à posição adotada pelas entidades representativas dos trabalhadores médicos relativamente ao conjunto das medidas aprovadas.

Perante o cenário político que, entretanto, se vive em Portugal, e sem certezas do rumo da governação do país no ano de 2024, estaremos atentos a possíveis alterações legislativas no âmbito da legislação laboral, incluindo nestas matérias.

Rui Rego Soares @ DCM | Littler