O Ac. do STJ de 08.03.2023, proc. 17436/20.3T8LSB.L1.S1 incide sobre a justa causa de despedimento fundamentada na violação do dever de lealdade e obediência em sede laboral.
No seguimento de uma trabalhadora, com especial posição na empresa, designadamente, Diretora Comercial e de Marketing, decidir, por conta própria, sem o aval da “loja mãe”, conceder descontos de 50% aos seus clientes, o STJ veio consagrar tal atitude como violadora dos deveres de lealdade e obediência à empregadora, e consequentemente, justificativa de despedimento com justa causa.
De acordo com o artigo 128.º, n.º 1, alínea f) do Código do Trabalho, o trabalhador deve guardar lealdade à empregadora, à semelhança do dever de obediência previsto no mesmo preceito, na alínea e). A imposição de deveres de lealdade à empregadora impede que o trabalhador adote comportamentos suscetíveis de pôr em causa os interesses do primeiro. Embora o dever de lealdade do trabalhador assuma um caráter genérico no âmbito laboral, pode ter-se associado a uma dimensão subjetiva (confiança depositada e mantida pela empregadora no trabalhador), e numa dimensão objetiva (princípio da boa-fé). Efetivamente, poderá desdobrar-se em modalidades, entre elas a obrigação de não concorrência e a reserva de sigilo profissional.
À semelhança da decisão do Acórdão do STJ supra citado, de facto, existiu justa causa de despedimento, nos moldes do artigo 351.º/1 do Código de Trabalho, uma vez que a ação ilícita, grave e culposa é imputável à trabalhadora, resultando na impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral.
Efetivamente, a trabalhadora tirou proveito da sua posição hierárquica para fins próprios, causando prejuízos à empresa, refletindo não só quebras de confiança como desobediência. O fator de confiança é muito relevante, como tem afirmado a jurisprudência, sobretudo numa relação de vínculo laboral.
Além disso, releva o facto de a trabalhadora conceder descontos que atingiram os 50%, valor este que, como refere o Acórdão, “não se pode considerar como insignificante”, verificando-se o comportamento culposo e grave, uma vez que a trabalhadora não poderia afirmar não ter conhecimento da potencialidade lesiva da sua ação contraproducente e adversa.
Os deveres postos em causa por parte da trabalhadora, assumem um alcance muito maior do que o mero dever de sigilo e de não concorrência, sendo que, de acordo com a doutrina e jurisprudência o dever de lealdade comporta uma dimensão ampla, onde o dever de cumprir o contrato de boa-fé aumenta consoante os trabalhadores ocupem cargos de responsabilidade na gestão financeira da empresa. De certa forma, o dever de honestidade reflete uma obrigação de abstenção de qualquer ação que possa lesar a empresa, nomeadamente colocando em causa a relação de confiança e as relações entre o trabalhador e empregadora.
Posto isto, parece certo concluir que a violação de deveres implícitos de lealdade e obediência possa constituir justa causa de despedimento quando resultem efeitos nefastos para a empregadora, sobretudo quando a conduta do trabalhador foi realizada sem prévia autorização e por alguém com cargo destacado, a quem seria de esperar especial zelo e diligência.
Daniela Martins, Sofia Matias @ DCM | Littler