A desigualdade salarial entre géneros, apesar de expressamente proibida tanto pela lei como pela própria Constituição, ainda é um assunto atual e cujo combate mantém a sua importância.
A desigualdade salarial mais comum ocorre entre géneros, consubstanciando a situação em que para a mesma função uma mulher recebe um montante inferior de retribuição comparativamente ao que recebe um homem. Apesar de tal ser ilegal, contrariando o art. 270.º do Código do Trabalho, por violar o princípio segundo o qual para trabalho igual deve ser garantido um salário igual, a verdade é que ainda ocorre.
Se o problema apresentado é grave por si só, sendo ao tempo amplamente tratado, existe uma questão consequente que apresenta tanta ou até mais gravidade.
Para compreender este problema, é necessário relembrar que o montante do salário influencia necessariamente o desconto que é efetuado mensalmente para a Segurança Social, na medida em que quanto mais se ganha, ainda que a taxa seja sempre de 11%, o montante descontado é superior (veja-se: 11% de 1000,00€ corresponde a um montante inferior face a 11% de 2000,00€).
Assim, o trabalhador ao ser prejudicado pela discriminação salarial, sê-lo-á também, indiretamente, na fase da reforma, pelo impacto que tem no valor da sua pensão.
Mais, deparamo-nos com uma situação caricata: mesmo que o trabalhador, após a cessação do contrato, invoque a discriminação e, por isso, receba os montantes não recebidos por consequência da mesma, tal não afetará os montantes descontados para a Segurança Social.
Por outro lado, sabendo-se que da prática cultural resulta que apenas perto da altura da reforma é que existe uma preocupação efetiva com o valor que se irá receber de pensão, a verdade é que nessa data um trabalhador discriminado, que, nomeadamente, não exerceu o seu direito no prazo de 1 ano após a cessação do contrato de trabalho, não terá como proteger-se da discriminação, nem da direta relacionada com a remuneração, nem, muito menos, da indireta decorrida do menor valor da reforma.
Ora, nesse sentido, ter-se-á necessariamente de questionar se não se mostra excessiva e injusta tal situação.
Como já enunciado, a desigualdade salarial entre géneros tem sido fortemente protegida pela lei, contribuindo-se assim para o esbatimento desta situação. No entanto, temos ainda um regime legal que resolve o problema pela metade, visto que, caso tal desigualdade ocorra, permite apenas ao trabalhador reaver os montantes não pagos por conta da desigualdade, mas não garante um maior desconto para a segurança social e, assim, admite que a desigualdade (ilícita) perdure no tempo.
Sendo certo que o princípio geral será sempre aquele segundo o qual os atos ilícitos (porque ilegais) não podem surtir efeitos, no caso em análise, o legislador admite ainda certos efeitos, os quais se podem mostrar ainda mais nefastos, tendo em conta que se está a lidar com uma fase de vida mais avançada do trabalhador, na qual o mesmo poderá ter despesas avultadas, por exemplo, de saúde, muitas vezes imprevistas.
No fundo, esta situação determina uma desigualdade que, tendo importantes e prejudiciais impactos durante a vida profissional, impacta também, seria e preocupantemente, o tempo da reforma.
Inês Godinho @ DCM | Littler